Da cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente, Cabo Verde, voltando as costas à baía, há uma elevação, não muita, nem chega a 500 metros, pedregosa e seca, o que sublinha mais o seu recorte. Por causa deste, chama-se-lhe monte Cara. Uma cara de queixo firme, nariz afilado e testa longa. Olha o céu. É preciso conhecer bem a sua terra e ainda melhor os seus para emprestar ao monte outro destino. Germano Almeida, ontem feito Prémio Camões, veio de outra ilha, Boa Vista, mas vive e trabalha há muito no Mindelo. Cabo-verdiano como deve ser, andou daqui para ali. De São Vicente, ele vê São Antão, tão próxima. Mas Germano Almeida, quando olha para o estreito que separa as duas ilhas, vê para além dele. Sabe que nos anos 50, do porto onde os barcos partiam, despedindo-se de outros barcos cujas ossadas de ferro enferrujado descansavam na praia, erguia-se por vezes o som de um saxofone, ou de um clarinete quando era preciso estender mais a dor. Era Luís Morais, despedindo-se do povo: para as roças de São Tomé, as açucareiras de Luanda e Benguela, as fábricas da América. Oiçam Cesária a cantar São Tomé na Equador ou ​​​​​​​Sodade para entenderem do que falo. Então, Germano Almeida, que até em silêncio entende do que falo, olhou para o monte recortado e soube dele que não olhava o céu. E escreveu, um dia: De Monte Cara Vê-se o Mundo. É em frente, para os lados, recuando, vogando, que vai esse povo que fala crioulo, português que enriquece o nosso português. Conheci o gigante Germano Almeida, o do português límpido, uma noite em que o jovem Ondjaki contava anedotas luandenses, daquelas que aconteceram mesmo, depois de termos visto um rancho de mulheres pardas dançando modinhas que elas não sabiam terem nascido nos Açores. Estávamos no Natal, Rio Grande do Norte, Brasil e era tão bom estarmos entre irmãos. Ah!, Camões, continua a nadar com um braço erguido a salvar o que nos faz grandes.