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Opinião. Onde está a D. Isabel?

Opinião. Onde está a D. Isabel?

Não vamos permitir que estas agressões fiquem impunes. Não vamos permitir que se violentem os mais velhos, os mais pobres, os mais frágeis.

Existe nas assembleias municipais a prática, obrigatória por lei, de disporem de um tempo, nas suas reuniões, para ouvir o público. Em Lisboa, é frequente neste período serem apresentados casos graves de carência habitacional, a que a mesa procura dar encaminhamento dentro das possibilidades do município.

No final de Abril, uma senhora de origem africana expôs o seu problema: onde mora há uma idosa que não tem ninguém, a quem o senhorio aluga um quarto por 210 euros, que ela sempre pagou, com a ajuda da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Mas o senhorio quer que ela saia, insiste com ela, trata-a mal e chegou ao ponto de entrar no quarto onde ela estava a tomar chá e entornou-lhe o chá quente em cima da cabeça. Cito as próprias palavras da munícipe: “A mulher teve que sair do primeiro andar a correr, bateu com a porta a chorar, fiquei até às 9 horas da noite a fazer sopa para lhe dar de comer, a mulher entrou em pânico, a mulher já está doente e foi internada, e até hoje não sei onde pára a Dona Isabel. Eu pedi a palavra, Senhora Presidente! Eu quero saber onde é que está a Dona Isabel!”

Creio que exprimi o sentimento de todos os deputados quando lhe respondi: “Agradeço o testemunho que acabou de dar aqui de humanidade. A senhora não veio pedir nada para si, veio aqui pedir que nós soubéssemos onde é que está a Dona Isabel, que foi maltratada pelo senhorio. Vamos fazer todas as diligências para descobrir onde é que está a Dona Isabel, mas tomáramos nós que todos tivessem a generosidade e o sentido da justiça que a senhora aqui nos trouxe!

A munícipe agradeceu e insistiu: “Eu só quero saber onde está a Dona Isabel!”

Tempos depois, diligências feitas, pude sossegar aquela vizinha: já sabemos onde está a D. Isabel, está num lar, acompanhada pela Santa Casa. É esta a diferença entre o poder local e o poder central. Chama-se proximidade e é preciosa quando todos os dias testemunhamos violências e agressões, das mais diversas proveniências.

Mas a proximidade não resolve tudo: o assédio imobiliário de que a D. Isabel foi alvo não é caso único, bem pelo contrário. Lisboa tem uma elevada percentagem de idosos, sobretudo idosas, que vivem sozinhas e que sem a rede de vizinhança que as ampara muitas vezes não sobrevivem. O município lançou até uma operação de sensibilização para estas solidões escondidas, citando a frase de uma delas: “Eu sabia que me ia esquecer de tudo, só não sabia que todos se iam esquecer de mim.”

É também para isso que serve ser deputada e ter poder para mudar a lei.

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