www.jornaldenegocios.ptAdolfo Mesquita Nunes - 18 dez. 20:30

Um ano saboroso

Um ano saboroso

É evidente que, ao dizer que 2017 foi um ano particularmente saboroso para Portugal, o primeiro-ministro se queria referir àquilo que considera serem os êxitos económicos da sua política.

Acaso alguém lhe tivesse segredado, antes de pronunciar tal frase, que não se esquecesse dos fogos ao fazer um balanço do ano, e estou convencido que o primeiro-ministro teria escolhido adjetivo mais adequado, livrando-se da polémica causada.

Sucede que o problema de classificar 2017 como um ano particularmente saboroso para Portugal - não apenas saboroso, mas particularmente saboroso, e, portanto, invulgarmente, unicamente, especialmente, saboroso -, não está na sua inoportunidade, não está na circunstância de o primeiro-ministro ter sido apanhado a falar de alhos e de as pessoas terem achado que era de bugalhos.

O problema está no facto de, ao fazer um balanço do ano, mesmo que querendo reservá-lo a matérias orçamentais, económicas, o primeiro-ministro se ter esquecido por completo do fatídico que este ano foi, de não terem vindo os fogos à cabeça.

Este ano foi tão particularmente fatídico, desgraçado, que se suporia não haver forma de falar dele sem ter presente tal fatalidade. É que se há coisa singular, particular, única, que marcou este ano, se há coisa que manifestamente saltou fora da normalidade, foi aquele desgraçado verão, e não a situação económica, por mais positiva que o governo a encontre.

E este esquecimento, que não será propositado, tem um significado político, porque ele não só é coerente com a forma como o primeiro-ministro atuou politicamente na altura dos fogos, como também está em linha com a forma como este governo olha para a realidade: não podendo o governo de esquerda querer o mal das pessoas, porque tal não é compatível com ser-se de esquerda, só o que de bom acontece pode ser assacado ao governo, já que o que de mau acontece não é por sua vontade e portanto deve ser desvalorizado ou imputado a terceiros.

É uma forma pueril, infantil, de olhar para o mundo e para a política, que reserva para os outros, para os adversários, o poder de fazer o mal, de querer o mal, de espalhar o mal, e reserva para nós, os bons, o poder de fazer o bem, de querer o bem, de espalhar o bem. O mundo como que se divide entre bons e maus, uma esquerda virtuosa, uma direita maléfica. Essa foi a tese dos socialistas na oposição e continua a sê-lo no governo, e não é por ser pueril, infantil, que ela pode ser tolerada, porque ela desagua em oportunismo e sectarismo e condiciona o debate político.

É que essa tese confere aos socialistas uma presunção de bondade, de acerto, que não autoriza a crítica, o reparo. Quando alguém os crítica, é como se fosse um ataque ao regime, é populismo, é atacar o carácter de gente de bem, como é que alguém pode atrever-se a dizer que algo de mau pode advir do socialismo, que só quer o bem? Vimos isto com Sócrates e foi o que foi... Ao invés, claro, tudo pode ser atirado à direita, que só por caso faz algo de bom e acerta.

É por isso que o primeiro-ministro se esqueceu dos fogos na altura de classificar 2017. É que sendo algo de mau, fatídico, não podem ter que ver com ele. E se não têm que ver com ele, não contam para efeitos de balanço. É também por isso que o primeiro-ministro só aparece nas alturas positivas, as únicas que a sua visão do mundo autoriza que possam ser da sua responsabilidade.

Esta forma de olhar para o mundo e para a política é cultural e beneficia exclusivamente a esquerda. Mas a culpa disso está na direita, como explicarei em próximo artigo, que desistiu desta batalha cultural. Querem um exemplo prático? Contem o número de pessoas que se diz de direita em Portugal. Devemos ser o único país do mundo com 95% da população a dizer-se enfiada entre o centro e a esquerda...

Advogado

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