www.dn.ptPaulo Tavares - 19 out. 01:00

Opinião Da Direção - Quando a teimosia cega

Opinião Da Direção - Quando a teimosia cega

Os últimos quatro meses da vida política de António Costa podem muito bem vir a tornar-se um caso de estudo da ciência política caseira. O primeiro-ministro que subiu ao poder com a aura de ser "o mais hábil político português" conseguiu dar cabo do estado de graça do governo algures entre junho e outubro, precisamente por inabilidade.

Escrevi aqui diversas vezes acerca da dissonância entre Passos Coelho e a realidade, sobre o desencontro entre o PSD e o país. Ora, foi justamente o mesmo problema que deixou Costa na frágil posição em que se encontra hoje, forçado a responder a cada uma das questões do Presidente da República em pleno debate quinzenal no Parlamento. Faltou ao primeiro-ministro, logo em junho e depois dos 65 mortos nos incêndios de Pedrógão, algo de essencial para o desempenho das funções - uma leitura fiel do país e dos portugueses. É estranho que não lhe tenha sobrado argúcia suficiente para perceber que aquelas mortes mereciam um pedido de desculpas em nome do Estado, Estado que tinha falhado em toda a linha no seu papel de proteção dos cidadãos, e que a ministra era o rosto desse falhanço, logo deveria ter sido descartada. Em cima desse erro de perceção, Costa decidiu jogar com a sorte e teve azar. Decidiu manter a ministra, não mexeu num sistema que tinha colapsado em junho e tudo se desmoronou no domingo passado. Mais. Costa decidiu ignorar os avisos que Marcelo foi deixando ao longo do verão sobre responsabilidade e humildade. Não os ouviu, escolheu a soberba e acabou cilindrado por uma declaração ao país na qual Marcelo Rebelo de Sousa revelou que Presidente vamos ter para o novo ciclo pós-autárquicas. Será muito mais do que afetos e, apesar de estarmos perante duas figuras pragmáticas, algo parece ter-se perdido na relação entre os dois palácios.

O mistério - que pode dar o tal caso de estudo para a ciência política - é como um primeiro-ministro de um país com os fundamentais da economia em alta, acabado de vencer umas eleições e de apresentar um Orçamento do Estado relativamente expansionista, acaba por perder a iniciativa política para o Presidente devido a um erro de avaliação e a uma teimosia sem fim. Às tantas, Costa não é assim tão hábil quanto isso.

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