rr.sapo.ptOpinião de Cristina Sá Carvalho - 19 out. 10:25

​Rosa, cor da realidade

​Rosa, cor da realidade

A 19 de Outubro de 2017 celebra-se o Dia Mundial de Luta contra o Cancro da Mama.

Há 25 anos, a Fundação Estée Lauder lançava uma campanha global de mobilização de recursos para a investigação e de consciencialização para acabar com o tipo de doença oncológica que mais mulheres afecta no mundo ocidental.

Hoje, graças ao esforço de investigadores e equipas médicas (anatomopatologistas, oncólogos, cirurgiões, radiologistas) em países como Portugal e Espanha, 85% das mulheres sobrevivem cinco anos depois do diagnóstico e 80%, dez anos volvidos, ainda estão vivas. Tal se deve à disponibilização democratizada dos meios de detecção precoce e à personalização do tratamento. De realçar os progressos obtidos com os tratamentos neoadjuvantes e a diminuição das mastectomias em cerca de 40% de mulheres, poupando-as a um sofrimento sempre difícil de digerir.

No entanto, o número de casos diagnosticados cresce sem cessar, em mulheres jovens e activas, que ainda estão a criar as suas famílias e que, em muitos casos, têm uma vida saudável e fizeram os exames de despistagem precoce recomendados. Para as ajudar a sobreviver e a recuperar a normalidade das suas vidas e dos seus agregados familiares é necessário investir na bioinformática e, assim, tratar os milhões de dados sobre doentes, tumores e reacções ao tratamento que todos os dias são recolhidos nos hospitais europeus. Também é necessário desenvolver técnicas de diagnóstico mais fiáveis e uma grande esperança se coloca na imunoterapia, que ensina o sistema imunitário a recuperar a capacidade de identificar as células cancerosas como um risco e que, um dia, permitirá plenamente tornar os cancros mais malignos em doenças crónicas controláveis.

Além disso, o número felizmente elevado de sobreviventes também permitiu que se coloquem novas perguntas, como as condições de vida e de saúde mental e física das sobreviventes – muitos são os “danos colaterais” das terapias – e, até, da necessidade de adaptar a medicina familiar que seguirá os ex-pacientes de cancro após a alta. Os estudos parecem indicar que não só o cancro impõe que os clínicos generalistas adoptem quadros de diagnóstico diferenciados de acordo com a antiga patologia e a especificidade do tratamento recebido, como mostram que estes profissionais necessitam de mobilizar a cooperação especifica de psicólogos, sexólogos, nutricionistas, estomatologistas, fisioterapeutas e terapeutas do movimento, tal como já se faz a partir das consultas de oncologia.

O futuro do cancro da mama deve ser bem negro, sinal de que as vidas de muitas mulheres serão poupadas a uma dor profunda e intensa, recuperadas para as cores da saúde e o rosa dos desejos e das alegrias simples de um quotidiano que pode ser vivido com tranquilidade e segurança. A nível nacional devemos estar, mais um ano, gratos ao Sistema público de Saúde que temos, à sua planificação inteligente e humana, ao atendimento que presta todos os dias a tantas situações limite, à qualidade e inovação da formação recebida pelos seus efectivos. Mas também devemos estar conscientes, como um todo social, que a qualidade dos cuidados prestados não deve depender do entusiasmo e entrega individuais e que algumas questões de fundo devem ser acolhidas num debate nacional, como seja a exorbitância do custo dos fármacos e as adversas condições de negociação dos mesmos pela reduzida escala de consumo do país.

Entretanto, toda a gente pode ajudar: com um estilo de vida mais saudável, com uma disciplina de cuidados de saúde (a começar por não entupir as urgências hospitalares com problemas menores), com um esforço civilizacional de respeito para com os profissionais de saúde e de atenção humana e sensível na relação com os doentes. Por fim, um lado mais benigno da sociedade de consumo permitiu que se desenvolvessem cosméticos e tratamentos de estética realmente adaptados ás complexíssimas necessidades das doentes de cancro e muitas marcas, de grande consumo ou de maior luxo, contribuem para custear a investigação com partilhas de lucro que chegam aos 100% do preço de venda. Sempre embalado em rosa… do humano ao científico, como tão bem lhe chamou o jornal El Mundo na Jornada Rosa que este ano disponibiliza pela oitava vez.

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