www.dn.ptJoão Almeida Moreira - 18 out. 01:00

Cartas Do Brasil - Leis com bolor

Cartas Do Brasil - Leis com bolor

Chef de cozinha da residência oficial do presidente da República, o Palácio da Alvorada, durante sete anos na viragem do século, criadora dos cardápios oficiais das comitivas brasileiras nas últimas duas edições dos Jogos Olímpicos, dona de um restaurante, com estrela Michelin, na lista dos 100 melhores do mundo em 2012 e 2013, segundo a britânica Restaurant, e eleita melhor cozinheira mulher da América Latina em 2015 pela mesma revista, Roberta Sudbrack é uma celebridade no meio gastronómico.

Chef de cozinha da residência oficial do presidente da República, o Palácio da Alvorada, durante sete anos na viragem do século, criadora dos cardápios oficiais das comitivas brasileiras nas últimas duas edições dos Jogos Olímpicos, dona de um restaurante, com estrela Michelin, na lista dos 100 melhores do mundo em 2012 e 2013, segundo a britânica Restaurant, e eleita melhor cozinheira mulher da América Latina em 2015 pela mesma revista, Roberta Sudbrack é uma celebridade no meio gastronómico.

No entanto, quando foi anunciado que disporia de um stand culinário no festival de música Rock in Rio no mês passado, pensou-se que a notícia não agitaria ninguém além da cr��tica especializada. Afinal, Sudbrack acabou mais comentada nas redes sociais do que Guns"n"Roses, Maroon 5, Red Hot Chili Peppers, Bon Jovi e outros, ao ter 160 quilos de produtos apreendidos pela polícia no tal stand.

Os produtos, queijos e linguiças, estavam dentro do prazo de validade. Foram produzidos de acordo com as normas sanitárias. E certificados com selos de inspeção dos seus mercados de origem - Pernambuco e São Paulo. Mas, por causa de um encadeamento complexo de leis, não podiam ser consumidos no estado do Rio de Janeiro, sede do festival.

Nas mesmas datas do Rock in Rio, realizou-se em Bra, na Itália, um evento internacional em defesa do queijo artesanal, com stands de diversos países. No último dia, os até então muito apreciados queijos brasileiros de Minas Gerais foram retirados porque a polícia local fora avisada de que eram ilegais - mesmo tendo em conta que três meses antes haviam conquistado duas medalhas num concurso na França, onde chegaram clandestinamente nas malas de queijeiros, e que no stand ao lado jovens suíços vendiam os seus queijos feitos com marijuana devidamente legalizados.

Já há cinco anos, um artigo publicado na revista Veja explicava que o Queijo Minas, principal queijo do Brasil, tem de se submeter a um Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal com 900 artigos, redigido em 1952 - na era Getúlio Vargas, portanto. O regulamento em causa vai ao detalhe de definir o queijo como um alimento "em formato cilíndrico, untura manteigosa e buracos em cabeça de alfinete".

De Minas Gerais, o queijo só sai com carimbo do Serviço de Inspeção Federal, que faz parte do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), e concordância da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, órgão do Ministério da Saúde. Antes regressa ao MAPA e obedece ao Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal e ao Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal, adaptando-se, no entretanto, às vigilâncias sanitárias das prefeituras mineiras correspondentes.

Até chegar ao prato do consumidor, o queijo é pois coagulado pelo leite da vaca e fermentado pela burocracia brasileira.

A burocracia no Brasil é coisa tão séria que há cerca de 70 empresas especializadas em guardar documentos de outras companhias. Essas firmas dividem lucros na ordem dos 300 milhões de euros por ano. Em média, utilizam 40 milhões de caixas de papelão para armazenamento de 120 mil milhões de documentos, equivalentes, se devidamente enfileirados na vertical, a 40 viagens de ida e volta à Lua, relatava reportagem do jornal O Estado de S. Paulo.

O armazenamento resulta de um conjunto de leis que promovem a burocracia, como a proibição de destruição de prontuários dos departamentos de pessoal até 30 anos depois de preenchidos, da obrigação dos documentos médicos sobreviverem à morte do paciente e daquele patrulhamento sem paralelo de que os produtos alimentares são alvo.

Roberta Sudbrack teve 400 mil reais [mais de 100 mil euros] de prejuízo com o incidente do Rock in Rio. Mas o prejuízo maior é dos investidores, produtores, distribuidores, comerciantes e, acima de tudo, consumidores privados de queijos de reconhecimento mundial e qualidade impecável por causa de leis com bolor, bafio e mofo.

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