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Alemães e ingleses candidatam-se contra a industrialização do turismo no Algarve

Alemães e ingleses candidatam-se contra a industrialização do turismo no Algarve

Nas assembleias municipais de Aljezur e Monchique, dois estrangeiros são veteranos na forma de manejar a “geringonça” no poder local. O que os une é o gosto pela ecologia, mas concorrendo em partidos separados – PS e PSD.

Um alemão, residente em Aljezur, e um inglês, a morar em Monchqiue, representam – ainda que simbolicamente – os interesses da comunidade dos estrangeiros residentes no interior do Algarve, que deverá rondar os 80 mil. Um é tradutor, o outro engenheiro. Em comum cultivam o gosto de viver em contacto directo com a natureza e um certo espírito de rebeldia. “Somos independentes”, proclamam os sexagenários, sublinhando que o adjectivo “independente”, neste caso, tem um significado para lá das fronteiras político-partidárias.

Johannes Schydlo, 65 anos, é deputado municipal em Aljezur há 16 anos nas listas do Partido Socialista, mantendo uma posição elegível para repetir o mandato. Chegou a esta vila, integrada no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, há 36 anos. “Vim em busca de uma vida alternativa, estava farto da Alemanha”. O que o atraíu foi a vida pacata a girar ao ritmo do ciclo das estações do ano.

“A minha principal acção política foi ter saído da Alemanha. Detestava o sistema”, enfatiza. De início, recorda, o grupo com quem partilhava os valores ecológicos era formado apenas por cinco germânicos. Porém, à medida que os cabelos foram embranquecendo, os laços de afectividade estenderam-se aos restantes residentes no concelho. Por isso, quando a sociedade recreativa de Aljezur fechou portas, há cerca de 18 anos, Johannes tomou a iniciativa de fundar associação “Tertúlia de Aljezur” para manter o convívio, no mesmo espaço em que jogava bilhar com os pescadores e agricultores seus amigos. Situa-se na rua de Lisboa. Por sinal, “a rua mais pequena de Aljezur”, diz.

O presidente da Câmara, José Amarelinho, socialista, não lhe poupa elogios: “Um amigo empenhado nas causas ambientais”, descreve, salientando a importância da vinda de “gente de fora” para um concelho em declínio demográfico. “Os estrangeiros têm sido nossos aliados, e dos mais activos na batalha contra a exploração de petróleo no Algarve”, enfatiza. Neste campo, apesar de algumas notícias sugerirem que foram congelados os contratos, o autarca não desarma. “Assumo o compromisso de continuar a luta, o processo não está encerrado”.

A comunidade de estrangeiros, neste concelho com 5.884 habitantes (Censos 2011), deverá representar cerca de 20 por cento do total da população.

Na zona litoral, a atmosfera política é diferente. Quem compra vivendas de luxo, na Quinta do Lago ou Vale do Lobo, não entra nas corridas eleitorais. A influência junto do poder local faz-se de forma indirecta: através da promoção de torneios de golfe solidários e jantares filantrópicos, tendo como destinatários das receitas os mais desfavorecidos.

Segundo a Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), estima-se que haverá 80 mil residentes estrangeiros na região, 50 mil dos quais britânicos.

Em Monchique, no que diz os respeito aos estrangeiros residentes, os números deverão ser semelhantes aos de Aljezur: cerca de 20% do total da população, constituída por 6.054 habitantes (2011). No entanto, a percentagem revelada pela PORDATA (2015) fica-se pelos 10,6%. O presidente da AHETA, Elidérico Viegas, justifica a discrepância dos números com o facto de não serem contados os residentes temporários. O acordo Schegen, recorda, abriu as fronteiras no espaço europeu.

Do que não restam dúvidas, destaca o presidente da Câmara, Rui André, do PSD, (candidato a um terceiro mandato), é a “importância crescente dos estrangeiros na vida social e económica, mas demográfica, também”. Como reflexo dessa situação, exemplifica, a população escolar tem subir, ainda que ligeiramente”.

A “geringonça” municipal

Quando Stephen Hugman chegou a Monchique há 25 anos, o turismo ainda não tinha subido até à serra. “Estamos no fim de um dos verões mais secos da última década e em redor tudo está verde”, diz o inglês de 64 anos, chamando a atenção para o crescimento do turismo ligado à natureza. Nos últimos cincos anos, enfatiza, abriram mais de noventa estabelecimentos de alojamento local na região. A associação “A Nossa Terra”, a que preside, funciona como ponto de encontro e plataforma multicultural de aproximação e ligação do concelho ao mundo, pelo facto de ser reconhecida como Organização Não Governamental (ONG) na área do ambiente.

Aqui, ao nível do executivo autárquico, o debate político está bipolarizado entre o PSD e o PS. Na Assembleia Municipal o espectro da representação democrática alarga-se à CDU e a um movimento independente, com um representante de cada uma destas forças políticas. Stephen Hugman, deputado municipal há oito anos e a caminho de um terceiro mandato, pelo PSD, vê vantagens nesta “geringonça” local. “Temos de dialogar e negociar. Quando há maiorias é só carimbar”, enfatiza.

Das decisões tomadas por consenso destaca o chumbo unânime à instalação de duas pedreiras de feldspato (um grupo de minerais). “Uma indústria que não traria valor acrescentado e colocaria em causa a sustentatibilidade do turismo ambiental”. Na Europa, justifica, só existe uma mina de feldspato na Noruega, mas é subterrânea e a povoação mais próxima fica a 80 quilómetros. Não é a céu aberto, como pretendiam fazer aqui.”

Candidatos a “picar o ponto” na política

Aos dois veteranos do poder local, Johannes e Stephen, juntam-se três novos candidatos. Monique Volkers, holandesa, e Anne Dinneen, irlandesa, concorrem em listas opostas para a junta de freguesia de Monchique. A primeira vai pelo PSD, a segunda pelo PS. Estão ambas estão em lugares não elegíveis, mas não se manifestam preocupadas com os resultados. “Importante mesmo é participar na vida colectiva”, diz a irlandesa, de 57 anos, professora de yoga. Com a serra de Monchique a servir de pano de fundo, faz alguns exercícios exemplificativos de como as pessoas “devem estar em equilíbrio com a natureza” - um princípio que diz ser o seu lema de vida e motivação para entrar na política.

Em Aljezur, o jovem surfista Fabrice Walther, concorre pelo PS a vice-presidente da junta de freguesia da Bordeira.

Na Holanda, Monique foi directora de uma associação de apoio a refugiados durante 10 anos. “Trabalhei como voluntária, mas tive de aprender a ser diplomata nas questões que tinha de abordar com os políticos”. Por isso, diz comprender bem o alcance da declaração de Stephen: A “geringonça tem de ser gerida, com diálogo”. Na quinta onde reside há sete anos, Monique faz agricultura biológica, cria galinhas e cabras, enquanto aguarda o licenciamento para abrir um alojamento local. Sobre a integração social, encara as dificuldades do dia-a-dia como um processo normal de aprendizagem permanente. “O sistema aqui funciona muito à base de famílias, na política e noutras coisas”. As outras coisas, explica, é o sistema da administração pública: “A norma pode estar escrita, mas depois há outras formas de resolver o assunto”. Por isso, uma das suas propostas eleitorais consiste na criação de espaço de apoio aos investidores e residentes estrangeiros, para explicar como é que se podem orientar num país do “jeitinho”, bem ao gosto português. O jeitinho é bom ou mau? “É diferente, trata-se de uma questão cultural”. O facto de concorrer na condição de independente na lista do PSD é uma coisa para aprender. “Na Holanda acho que não existe essa figura e também não é bem aceite pelos eleitores, quando alguém muda de partido”.

Anne Dinneen, embora concorra pelo PS, acha que se situa mais à esquerda. “Gostaria de me candidatar pelos Verdes, mas na junta de freguesia manda o PS, e assim posso ser mais útil”, justifica. Quando chegou a Monchique, há 29 anos, na condição de mãe solteira com dois filhos, não sentiu quaisquer dificuldades na integração. “Quando se tem crianças, as pessoas abrem os corações”, diz. Embora não tenha esperança de vir a ser eleita, acha que vai contribuir para o debate das ideias, “mesmo com o PSD a mandar na câmara”. Uma das suas propostas eleitorais é a criação de um mercado: “Os agricultores produzem, mas não conseguem escoar os produtos”, lamenta.

Burocracia: na Alemanha é pior

A questão do ordenamento do litoral está na agenda de Fabrice Walther, um candidato alemão que assimilou a cultura portuguesa. O jovem, de 28 anos, filho de pai francês e mãe alemã, licenciou-se em Design de Comunicação, em Portugal, e é o número dois da lista do PS para a junta de freguesia da Bordeira. No último mandato, já integrou o órgão executivo da autarquia. “Falta um parque de caravanismos“, destaca, da lista das prioridades a realizar ao nível do ordenamento da costa vicentina.

Numa zona em que o chamamento do mar é quase contínuo, Fabrice – tal como os jovens da sua geração - não podia de deixar de ser surfista. Em pararelo à actividade desportiva abriu uma loja de venda e aluguer de material para surfistas, na Carrapateira, e tornou-se empresário. O negócio tem como completo a aferta de uma linha de material desportivo, por ele desenhado. Quebrar a sazonalidade turística, diz, é o prinicipal desafio do concelho e da região. “A maioria dos meus amigos não chegou à faculdade – dedicam-se à pesca ou ao turismo” , diz, defendo a necessidade de diversificar a base económica do concelho e abrir horizontes para as novas gerações. 

 O deputado muncipal Johannes Schydlo tem acompanhado a evolução do concelho, interpretando as motivões dos turistas e dos residentes. “Nos últimos anos, muitos alemães têm ido embora por falta de assistência na saúde – no centro de saúde de Aljezur, nem sempre há médico”, denuncia. Mas, por outro lado, reconhece que a barreira da língua constitui, também, uma dificuldade para alguns. No que diz respeito às frequentes queixas dos portugueses contra a burocracia, não vê grande razão para isso. “Na Alemanha ainda é pior”, diz, justificando: “Os muitos papéis que são precisos para fazer uma escritura ou um contrato dão uma certa segurança”. 

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