expresso.sapo.ptDuarte Marques - 22 ago. 08:45

Foi o povo que se salvou. O Estado voltou a falhar

Foi o povo que se salvou. O Estado voltou a falhar

Opinião de Duarte Marques

A tragédia de Pedrogão Grande trouxe-nos uma conclusão muito óbvia: o Estado colapsou e falhou redondamente na sua função de proteger os cidadãos. Mais cedo ou mais tarde teremos a certeza sobre quem falhou, o que falhou e porque isto aconteceu. A verdade é que nas últimas semanas o Estado tem colapsado demasiadas vezes e isso acabou por acontecer novamente na região de onde sou natural.

Um incêndio que começou em Alvaiázere terminou em Mação, Gavião, Abrantes e Sardoal. O nosso sistema de Proteção Civil não conseguiu parar o fogo mais cedo, este cavalgou a seu bel-prazer ao longo de mais de uma dezena de concelhos, percorreu mais de uma centena de quilómetros, dizimou dezenas de milhares de hectares de floresta.

Segundo consegui apurar não morreu ninguém, há poucos feridos graves, algumas casas ardidas e muitos milhões de euros de prejuízos. Já a floresta, as hortas e plantações, ardeu praticamente tudo.

O Estado falhou, a Proteção Civil falhou, não houve consequências mais graves porque muitas vezes foram as populações que defenderam o que era seu. Os bombeiros e diferentes sapadores deram o seu melhor, fizeram autênticos milagres, mas no meio de tanta gente e equipamento é revoltante ver que demasiadas vezes foram as populações, cidadãos sem treino e sem meios, que protegeram as suas vidas e os seus bens. Ainda bem que conseguiram, mas não devia ter sido assim.

Esta é a oportunidade de perceber que é preciso fazer muito mais. O nosso sistema de proteção civil e de bombeiros é eficaz para as primeiras intervenções, mas não é eficiente quando se trata de ataque ampliado que tantas vezes tem sido necessário.

Além do trabalho que há obviamente a fazer no território e no ordenamento, cujo o impacto obriga a esperar resultados ao fim de pelo menos duas décadas, a verdade é que a experiência recente nos obriga a pensar seriamente em mudar o nosso modelo de proteção civil.

Apesar das manipulações anunciadas pelo Governo e pela Proteção Civil no que diz respeito ao número de fogos por dia, à área ardida, e às condições climatéricas, prontamente desmentidos pelo Expresso do passado fim-se-semana, a verdade é que as alterações no comando da proteção civil nacional e regional no início deste ano fragilizaram a já de si insuficiente estrutura da ANPC. O resultado está à vista.

Os exemplos de Pedrogão e Mação obrigam-nos a olhar para o Estado e a pensar que há um longo caminho a percorrer, não pode ser um misto de voluntarismo dos cidadãos equipados com kits de primeira intervenção, que mais parecem autênticas milícias armadas, a salvar muitas das situações. Os portugueses e o território exigem que o Estado os proteja de forma mais eficaz, tal como o Estado também deve exigir mais aos proprietários para que cuidem melhor daquilo que é deles.

Se há uma reflexão e um consenso que é preciso fazer na reconstrução e no ordenamento do território, há também uma grande reforma a fazer na Proteção Civil que dever ser mais eficaz, mais equipada e mais independente do poder político. Seja de natureza civil ou militar, ou quiçá mista, importa que tenhamos uma estrutura profissional mais alargada que seja coordenada com os notáveis voluntários que existem no terreno.

Quero aqui deixar o meu obrigado às dezenas de bombeiros que lutaram até à última gota de suor e que deram tudo, aos sapadores espanhóis que são um excelente exemplo para nós pelo seu profissionalismo, aos manobradores das máquinas de rastos que fazem milagres com poucos meios, aos GIPS da GNR que foram incansáveis e aos restantes sapadores da FEB, da AFOCELCA e da AFLOMAÇÃO. Uma palavra também para a GNR, para a Cruz Vermelha, para o INEM, para os funcionários da Segurança Social e do Ministério da Saúde.

Termino com uma palavra para os autarcas que fizeram o que estava ao seu alcance para evitar esta tragédia, mas sobretudo com uma vénia para aqueles cidadãos que, quais milícias, vieram para a rua, substituíram o Estado nas suas funções e defenderam as suas casas e a sua vida. Já que quem tem responsabilidades nem ao terreno se digna a vir ou sequer a pedir desculpa, eu peço desculpa se não fiz tudo o que estava ao meu alcance para evitar esta tragédia.

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