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Música - Agnes Obel. Cânticos sem cânones

Música - Agnes Obel. Cânticos sem cânones

Estreia-se em Portugal uma cantora e compositora que mostra um pouco da Dinamarca ao mundo da música. Vem ajudar a provar como o gelo pode ser febril

O melhor mesmo, para se cumprir o objetivo de uma apresentação catita de Agnes Caroline Thaarup Obel - bastando salvaguardar o primeiro e o último nome, os que lhe valem o reconhecimento junto de um meio musical cada vez menos restrito, cada vez mais influente e constantemente alternativo - será derramar aqui o chamariz das suas influências reconhecidas e/ou evidentes. As musicais e confessadas já suscitam uma enorme dose de curiosidade, uma vez que cruzam Roy Orbison, o saudoso rocker e o saudável crooner, com uma troika de eruditos que nos remete para um universo comum, romântico e de espaço aberto, onde se sentam Claude Debussy, Maurice Ravel e Erik Satie, todos a fazer parte do grupo que assegurou a transição "de poder" entre os séculos XIX e XX. Acrescente-se mais uma: a do músico sueco Jans Johansson (1931-1968), que dedicou grande parte do seu curto percurso a estilizar, de acordo com os parâmetros do jazz, melodias do folk europeu. Se estas convocatórias já chegariam para prender a atenção, o tom sobe com as inspirações que Agnes vai - assumidamente - procurar a outras vias artísticas. Acontece com o escritor Edgar Allan Poe, com o fotógrafo Robert Mapplethorpe e com o cineasta Alfred Hitchcock, de quem enaltece "o estilo enigmático, com uma estética sofisticada que se alia a um princípio narrativo de enorme simplicidade". Só mais uma, entre as fontes de Miss Obel? Nina Simone, mesmo que pareçam actuar nos antípodas uma da outra.

Cumprido este desígnio de "mapear" Agnes Obel, dinamarquesa nascida em Genthoffe há 36 anos, dona e senhora de três discos que chegam e sobram para convencer do talento da autora e da mais-valia que esta música representa na época dos "corados e concentrados", convirá passar ao momento seguinte, até para evitar que o passo anterior se confunda com um primário exercício de namedropping. Vamos aos princípios programáticos: "Parece-me que é legítimo e, de certa forma, imperativo que um músico persiga o objetivo de fazer algo intrinsecamente diferente do que já conhece. Assim, estabelece-se um espaço para algo que soe alternativo ao que se repete muitas vezes e se torna dominante. Acredito numa perceção ampla das coisas através da arte, que te permite ver e ouvir algo à tua maneira, mas a partir da abordagem do artista". Desafiada, numa entrevista ao jornal inglês The Independent, a referir um exemplo, Agnes vai bater a boa porta: "Joni Mitchell. Consegue ser idiossincrática, específica, quase intransmissível. Mas, ao mesmo tempo, a partir do seu ponto de vista, ela é a porta-voz de algo extraordinariamente poderoso, como é a essência do feminismo". Quase apetece dizer que estamos diante de alguém cujas ideias são tão fortes e cristalinas como a música que nos tem dado.

Obel optou por viver em Berlim há quase uma dúzia de anos. Não há, no caso, nenhuma aproximação ao papel preponderante que a capital alemã ocupa na vida na obra de muitos músicos, da pop à clássica: "Gosto de sentir que vivo numa das cidades mais misteriosas da Europa, com uma história tão cheia de sobressaltos que justificaria anos de estudo e aprofundamento. Mas os meus motivos são muito mais prosaicos: gosto de equilibrar uma certa informalidade dinamarquesa com o rigor alemão. De um lado, aproveito o sentido de humor, a ideia da procura não obsessiva da felicidade. Do outro, fico a ganhar com a disciplina e com a seriedade". Quem ouvir Philarmonics (disco de estreia, de 2010), Aventine (2013) e Citizen Of Glass (2016), os três discos que compõem a cruzada de Agnes em nome próprio, talvez possam reconhecer aqui algo que viaja entre a vida e a música. Não há pompa nem circunstância: "O orquestral e o sinfónico nunca me interessaram como compositora. Sinto-me motivada, isso sim, por melodias simples, quase infantis, que toco repetidamente, insistentemente, antes de me decidir a completar as suas histórias com palavras que as complementam. Ou que, às vezes, as transformam".

Em busca da transparência

Para a compositora, capaz de recorrer primordialmente ao piano mas cada vez mais disponível para procurar diferentes texturas e coloridos musicais em instrumentos antigos ou exóticos (aproveitando a coleção paterna) e aventurando-se até em recursos raros (como a utilização do Trautonium, instrumento eletrónico da década de 1930), a grande quimera é mesmo a da transparência. "É uma ideia que me fascina, a dos criadores que, na escrita ou na música, se usam a si mesmos como modelos. Parece-me algo que, ao mesmo tempo, é transcendente e assustador. E não posso negar que algumas das ideias que tentei traduzir em música, especialmente em Citizens Of Glass, não passem por esse processo de aquele que olha e aquele que é visto serem uma e a mesma pessoa". Este jogo de espelhos fará parte integrante do concerto lisboeta de Agnes Obel, em que - basta que tudo corra normalmente - ganhará dimensão a análise da jornalista e crítica Johanna Seban, que escreveu para Les Inrockuptibles: "Há, nestes cânticos melancólicos, a clareza total e o amplo conforto do discos de cabeceira. Agnes Obel é de uma pureza desarmante". Ficamos assim.

Agnes Obel

Tivoli BBVA

Domingo às 21.30

Bilhetes de 20 a 35 euros

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