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À procura dos sonhos perdidos

À procura dos sonhos perdidos

Um avô conta histórias à neta todas as noites. Acredita que, ao soprar-lhe sonhos, a menina se libertará da tristeza que a invade.

O livro é dedicado ao poeta brasileiro Manoel de Barros (1916-2014) e abre com o poema Bernardo é quase uma árvore, em que se descreve um ser que consegue “esticar o horizonte”. Aqui, há um “esticador de sonhos”, a quem também chamam “homem-árvore”. Terá de ser descoberto por uma menina triste por já não ter os pais neste mundo. Para que volte a sonhar.

Anallely é neta de Timóteo, vivem só os dois, depois de os pais da menina e a avó terem morrido. “Todas as noites, depois de arrumar a cozinha, Timóteo subia até ao quarto de Anallelly para a adormecer. Acreditava ainda mais nas histórias desde que a sua neta perdera a capacidade de sonhar, e, por esse motivo, todas as noites lhe soprava sonhos…”

O nome Anallely significa “rainha das estrelas”, disse ao PÚBLICO o autor, Yuri Hideki, pseudónimo de Daniel Henriques, que contou também, via email: “Escrevi esta fábula no início da pandemia, em 2020, inspirado numa experiência pessoal que tive em 2015 na América Central quando realizei um voluntariado em El Salvador.”

Na altura, conheceu uma menina, acolhida pelo projecto que integrava, que se chamava Anallely. “Desde o primeiro momento, senti-me fascinado por tal encontro”, recorda. Deu-lhe voz anos mais tarde e com recurso a crowdfunding, que lhe permitiu amealhar “todo o dinheiro de que precisava para a publicação”. E quer acreditar e que é apenas “a primeira como escritor”.

Voltemos ao livro. Certa noite, o avô falou à menina de um homem que cresceu mais do que os outros. “Teria a mesma altura das árvores”, disse-lhe. Seguiram-se várias perguntas: “Como a árvore do baloiço, avô?”; “ó avô, achas que ele tocava no céu?”; “e conhecia as estrelas?”. Paciente, Timóteo ia respondendo, enquanto a aconchegava na manta e lhe apertava o nariz, brincando.

Foto Em volta da sequóia, os habitantes da aldeia deram as mãos, “para alimentar a alma” e acertar o batimento do coração com a natureza Chana de Moura

Dessa vez, quando a menina adormeceu, voltou a sonhar. Conheceu um gnomo e ambos abriram caminho na floresta, “entre árvores, flores, arbustos e outros odores, pequenos e grandes rochedos, alguns largos e robustos, e riachos puros pintados por todas as cores envolventes”.

Deu as mãos aos habitantes da aldeia em volta de uma árvore, “para alimentar a alma” e acertar o batimento do coração com os outros e a natureza, navegou numa jangada, encontrou o homem-árvore e esticador de sonhos. Mais importante ainda, encontrou-se e ficou a saber que “é o sentimento que une a alma ao coração”.

O avô já lhe dito que o coração “é o lugar que temos dentro de nós onde se fabrica amor”, mas do lado de lá do sonho a anciã Saboria acrescentou que “o amor não é um quê, mas um quem”. Falou-lhe de como o amor dela pelos pais persistia e disse-lhe ainda que “a alma precisa do coração para voar até ao amor”.

Estamos a viver tempos exigentes e se a leitura já me salvou da desolação, que este conto sirva também esse propósito Yuri Hideki

O Esticador de Sonhos transporta-nos para lugares felizes, onde os sentimentos tendem a reconciliar-nos com as vicissitudes da vida. E é escrito num tom poético e doce. As ilustrações de pendor naïf de Chana de Moura remetem facilmente para o universo dos sonhos.

O desejo de Yuri Hideki é o de que o livro “chegue ao maior número de crianças de todas as idades”, acreditando que esta narrativa pode ter eco também junto dos adultos. “Estamos a viver tempos exigentes e se a leitura já me salvou da desolação, que este conto sirva também esse propósito.” Seja.

O Esticador de Sonhos

Texto: Yuri Hideki
Ilustração: Chana de Moura
Composição gráfica: Marco Martins
Coordenador editorial: Bruno Cantanhede
Revisão: Luís Tiago
Capa: Henrique Ferreira
Edição: Flamingo
58 págs., 14€ (ebook 5€)
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