eco.sapo.pteco.sapo.pt - 27 abr. 15:17

Fundos europeus. Maldição ou bênção?

Fundos europeus. Maldição ou bênção?

Uma aspirina que esconde os sintomas da doença ou um instrumento estratégico para desenvolver o país. As opiniões dividem-se sobre o impacto dos fundos europeus.
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Os fundos europeus são uma maldição? Para Nuno Palma a resposta é sim. “As instituições em Portugal são demasiado frágeis, as políticas demasiado pobres e o capital humano demasiado baixo para que os fundos possam ser bem utilizados”, justifica o economista.

O problema não é de incompetência de um Governo em particular. “Os próximos governos também não vão usar bem os fundos. O problema é muito mais profundo do que quem está no poder. Os partidos gostam de dizer que os outros é que usaram mal. Não acredito minimamente nessas conversas tribais e clubísticas de uns a dizer mal dos outros”, desabafa Nuno Palma.

O economista, que recentemente editou o livro “As causas do atraso português”, compara a dependência de fundos europeus a uma doença. “É como estar doente e não sentir os sintomas. Quando a doença surge, se calhar, é tarde demais. Este é o problema”, diz. “Os fundos são uma espécie de aspirina que esconde os sintomas da doença. As pessoas não sentem que a economia está tão mal como na verdade está. A economia não cresce tanto como deveria na ausência destes fundos, mas as pessoas vão vivendo a sua vida e não sentem a urgência com que as coisas têm de mudar”, acrescenta.

E usando o exemplo da injeção que o Estado fez na TAP, ironiza que “se as pessoas recebessem uma carta em casa a pedir que se dirigissem ao multibanco para contribuir com 200 euros para pagar a TAP, ter-se-iam revoltado muito mais cedo do que se revoltaram”. “As pessoas se não sentem as consequências das más políticas públicas vão adiando a sua revolta e continuando a votar nos mesmos e a deixar as coisas passar”, alerta.

Os fundos são uma espécie de aspirina que esconde os sintomas da doença.

Nuno Palma

Economista e historiador

Portugal, na opinião do economista, tem um sistema político e capital humano incapazes de gerir os fundos europeus, a maldição dos recursos mais recente do país — no passado houve outras, como o afluxo de ouro do Brasil no século XVIII.

E neste ponto tem mais economistas que simpatizam com a sua teoria. Miguel Poiares Maduro considera que os fundos europeus não são diferentes de qualquer outra forma de financiamento do investimento público. “Os investimentos públicos e privados são bons ou maus consoante a estrutura de incentivos associada: se aumentam a competitividade e a produtividade da economia ou se desviam recursos de atividades mais produtivas para alimentar rendas.”

O antigo ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional, do Governo de Pedro Passos Coelho, que teve a tutela dos fundos europeus e foi responsável pela negociação do Acordo de Parceria do Portugal 2020, considera que “não há uma resposta de sim ou não” à pergunta se os fundos europeus são uma maldição. “Se os investimentos públicos forem preparados, avaliados e financiados de acordo com a obtenção de resultados, como por exemplo reduzir a taxa de abandono escolar, melhorar a prestação dos alunos em matemática, terão um efeito positivo. Mas se, pelo contrário, forem capturados por interesses ou por quem quer adquirir rendas então têm um efeito perverso”, detalha. “Se as instituições do Estado não têm capacidade para desenhar, avaliar ou fazer cumprir os incentivos apropriados, só vão agravar o mau funcionamento do Estado”, reconhece.

Se as instituições do Estado não têm capacidade para desenhar, avaliar ou fazer cumprir os incentivos apropriados, só vão agravar o mau funcionamento do Estado.

Miguel Poiares Maduro

Antigo ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional do Governo de Pedro Passos Coelho

Luís Aguiar Conraria admite que “simpatiza” com os argumentos de Nuno Palma. “Faço parte daqueles que acreditam que há uma espécie de maldição dos recursos com o dinheiro da União Europeia.” Mas “há vários patamares”, considera o presidente da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho (EEG/UMinho). “Uma coisa é haver um bocadinho de maldição porque não sabemos usar os fundos, não temos as instituições corretas e isto não ser tão bom para o país como poderia. Quanto a isto não tenho dúvidas nenhumas. Outra coisa é dizer que os efeitos são tão negativos ao ponto de ser melhor não receber os fundos. Não conheço nenhum estudo que permita chegar a uma conclusão tão arrojada como esta.”

Nuno Palma considera que “todas as afirmações” que faz no seu livro, “estão muitíssimo bem justificadas, com estudos que existem sobre esta matéria”. “Existe um estudo de Fernando Alexandre que mostra que os beneficiários privados dos fundos são PME sem qualquer capacidade de transformação da economia e os fundos são uma forma de ganhar a vida. É um estudo científico”, justifica. Curiosamente, Aguiar Conraria cita também os trabalhos científicos do economista Fernando Alexandre, “onde avalia concretamente a aplicação dos fundos e o impacto que têm nas empresas e os resultados não são negativos”.

Faço parte daqueles que acreditam que há uma espécie de maldição dos recursos com o dinheiro da União Europeia.

Luís Aguiar Conraria

Economista

O presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR sublinha que os fundos europeus “têm como objetivo a mudança da realidade para melhor” e “assentam em regras estabelecidas, em princípios concorrência, transparência, rigor, controlo e boa utilização”. Pedro Dominguinhos elenca casos “particularmente significativos e com resultados e impactos importantes, como a qualificação das pessoas — doutoramentos ou pessoas com formação superior (CTeSP)”. “Alguns estudos relativos a empresas, em particular do Banco de Portugal ou do Prof. Fernando Alexandre, revelam resultados e impactos positivos nas empresas recetoras de fundos europeus, como vendas, exportações, empregados, investimento ou valor acrescentado. Os resultados na produtividade não são tão conclusivos”, diz ainda.

Os fundos europeus devem ser encarados de forma estratégica, para contribuir para recuperar essas debilidades, em particular nas áreas que possuem um impacto significativo no médio longo-prazo.

Pedro Dominguinhos

Presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR

Pedro Dominguinhos reconhece que “Portugal enfrenta um conjunto de desafios significativos”, que “subsistem atrasos relevantes e que urge diminuir o gap”. “Os fundos europeus são relevantes e devem”, entre outras coisas, “ser encarados de forma estratégica, ser orientados para resultados, atribuídos com base no mérito e estarem alicerçados numa lógica de adicionalidade e não tanto de substituição”.

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