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Antes do 25 de abril de 1974, a revolução começou a ferver em 60

Antes do 25 de abril de 1974, a revolução começou a ferver em 60

Da defesa pela independência das colónias, ao desgaste das Forças Armadas, ao massacre dos povos no Ultramar, ao falhado Golpe das Caldas: o que fez estalar a revolução entre os militares que, a 25 de Abril de 1974, marcharam sobre Lisboa?

Há 50 anos viviam-se os últimos minutos da ditadura do Estado Novo. O movimento dos capitães desencadeia um golpe militar que em pouco mais de 20 horas derruba o Governo de Marcello Caetano e põe fim a 48 anos de ditadura. Mas os eventos de 25 de abril de 1974 não aconteceram num vácuo.

Desde a década de 60, que o regime de Salazar enfrentava contestação interna e externa. A revolução foi o ar fresco que fez cair o castelo de cartas.

Em 1974, o país estava desgastado por 13 anos de guerra colonial, paralisado pela política isolacionista, perdido numa ditadura assente na censura e na Polícia Internacional e De Defesa do Estado/Direção-Geral de Segurança (PIDE/DGS). Um Portugal “orgulhosamente só” e ostracizado pela comunidade internacional.

O último dos impérios entra em crise nos anos 60

O grande confronto começa no prelúdio da guerra em Angola. Em 1960, as Nações Unidas aprovam uma resolução a favor do direito à independência dos territórios colonizados.

No documento, constam duas ideias principais. Em primeiro lugar, que o colonialismo é a negação dos direitos do homem e, depois, que os atrasos das colónias não podem ser um pretexto para atrasar as independências. A resolução é aprovada por larga maioria.

Em 1961, estala a guerra no Norte de Angola., durante a qual a ação da União das Populações de Angola (UPA) lança o pânico entre os colonizadores, ou a população branca.

No mesmo ano, o então ministro da defesa, o general Júlio Botelho Moniz tentou levar a cabo um golpe de Estado que ficou conhecido como Abrilada. O ministro queria afastar António de Oliveira Salazar e, no limite, destituir Américo Thomaz como Presidente da República. Mas o presidente do Conselho antecipou-se a Botelho Moniz e o golpe saiu fracassado.

Este desfecho acaba por piorar a situação no Ultramar. Depois de dominar o golpe, Salazar assume a pasta da defesa e envia o exército para Angola. O conflito depressa alastra à Guiné e a Moçambique. Durante 13 anos as populações das colónias, as famílias e os jovens sofrem os horrores da guerra.

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Contudo, 1961 não acabaria sem Salazar ter um novo sobressalto. A União Indiana invade os territórios portuguesas da Índia. O presidente do Conselho exige soldados vitoriosos ou mortos. Portugal é derrotado.

Dois anos depois, a BBC retoma o serviço para Portugal. Depois de alguns anos de silêncio, Londres percebe a pertinência e a necessidade de um serviço em português. A rádio britânica oferecia emissões em Onda Curta que podiam ser escutadas também nas colónias portuguesas. A Voz de Londres vai ser um importante veículo de informação não censurada, muita das vezes escutada em segredo.

OuvirPausa Lamentamos mas o seu browser deverá ser atualizado de forma a suportar esta funmcionalidade de audio. 0:00 / 0:00 António de Oliveira Salazar. Foto: DR António de Oliveira Salazar. Foto: DR A volta da cadeira e a os desafios de Marcello lá fora

Quase a terminar a década, o regime tem mais um sobressalto. A 3 de agosto de1968, Salazar cai da cadeira no Forte de Santo António no Estoril.

Um mês depois, ao fim de 42 anos de permanência no Governo, é declarada a incapacidade física do ditador. Cabe a Américo Thomaz a decisão e o Presidente da República substitui a figura maior do Estado Novo por Marcello Caetano.

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O novo presidente do Conselho traz um projeto político que define em duas palavras: “evolução na continuidade”. Na tomada de posse diz que chegou “o tempo em que o país vai ser dirigido por homens normais”.

Começa, então, a chamada Primavera Marcelista. Durante esta altura, Marcello autoriza o regresso do exilio de Mário Soares e do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes. Também nas eleições de 1969 dá sinais de abertura. Nas listas da União Nacional são integrados nomes da chamada Ala Liberal, como Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Miller Guerra.

Aproveitando esta onda, dá-se a revisão constitucional de 1971. Mas esta é insuficiente para transformar o regime a fundo, já que praticamente todas as propostas da Ala Liberal são reprovadas.

Um ano depois, aos 78 anos, Américo Thomaz é de novo candidato à Presidência da República e o regime volta a perder a oportunidade de se renovar. Poucos meses depois, Sá Carneiro e Miller Guerra são os primeiros deputados da Ala Liberal a renunciar aos mandatos de deputado.

Assaltado pelos duros do regime, em 1972, Marcello Caetano tem ainda de enfrentar um grande embaraço internacional. É conhecido o massacre de Wiriyamu, na província de Tete, em Moçambique, onde as tropas portuguesas são acusadas de massacrarem 300 pessoas. Em Portugal, a notícia é censurada e só é conhecida através dos serviços portugueses da BBC.

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Pouco depois, a ONU condena o regime, por não alterar a sua política colonial. A Assembleia Geral apela a todos os organismos das Nações Unidas para que apoiem os movimentos de libertação das colónias portuguesas.

Mais tarde, em 1973, o regime é confrontado com a declaração unilateral da independência da Guiné. Dezenas de países e a Assembleia Geral da ONU reconhecem o novo estado e aprofunda-se o isolamento de Portugal.

OuvirPausa Lamentamos mas o seu browser deverá ser atualizado de forma a suportar esta funmcionalidade de audio. 0:00 / 0:00 Adensa-se a crise e a revolta nas Forças Armadas

Ainda em 1973, o regime tem falta de capitães dos quadros permanentes e aprova a lei 353/73, que permitia a passagem aos quadros permanentes das armas de infantaria, artilharia e cavalaria os oficiais que frequentassem um curso intensivo na Academia Militar.

O esforço de guerra estava comprometido e o Governo, perante a falta de cadetes na academia Militar, facilitou a entrada de milicianos no quadro permanente, o que provocou mau estar entre os capitães de carreira. Com esta lei, Marcello Caetano abre a porta à contestação nas forças armadas, ao movimento dos capitães e à própria queda do regime.

Em fevereiro de 1974, o António de Spínola publica o livro “Portugal e o Futuro”. O general contesta a política colonial, advoga a constituição de uma federação de estados, defende a liberalização do regime e a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE).

Marcello Caetano lê o livro numa noite e considera-o “um autêntico golpe de estado”, mas não deixa de reagir, ao convocar para São Bento todos os oficiais superiores dos três ramos das forças armadas para uma manifestação de apoio ao regime.

É nesta sessão, que ficou conhecida como a “Brigada do Reumático”, que Marcello diz:

“O país está seguro de que conta com as suas Forças Armadas e em todos os escalões destas não poderão restar dúvidas acerca da atitude dos seus comandos.”
Fotografia: DR Fotografia: DR OuvirPausa Lamentamos mas o seu browser deverá ser atualizado de forma a suportar esta funmcionalidade de audio. 0:00 / 0:00

A 14 de março, costa Gomes e António Spínola são demitidos por recusarem apoiar publicamente a política do Governo e por faltarem à cerimónia.

O regime não demonstrava sinais de perceber que, daí a dois dias, a 16 de março, se daria o Golpe das Caldas. Esta é primeira tentativa do Movimento dos Capitães de derrubar o Governo. Nesse dia, o Regimento de Infantaria n.º 5, das Caldas da Rainha, rumou a Lisboa para destituir Marcello Caetano e por fim à ditadura, mas foram travados. O golpe fracassou e terminou com a detenção de cerca de 200 militares.

OuvirPausa Lamentamos mas o seu browser deverá ser atualizado de forma a suportar esta funmcionalidade de audio. 0:00 / 0:00 Os primeiro traços do 25 de abril

Mas o Movimento dos Capitães está em marcha, com as aprendizagens das falhas do Golpe das Caldas. Desde o início de março de 1974, circula o primeiro documento contra o regime e a Guerra Colonial. Foi elaborado por Melo Antunes e intitulava-se "Os Militares, as Forças Armadas e a Nação".

A 24 de março, acontece a última reunião clandestina da Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas (MFA), em que se decide o derrube do regime e o avanço do golpe militar. Dessa reunião saíram as instruções finais que, um mês depois, o coronel Otelo Saraiva de Carvalho distribui sobre a madrugada de 24 para 25 de abril.

A 24 de abril, o jornal “República” chama a atenção para a emissão do programa Limite da Renascença, que iria para o ar nessa noite. É assim que o país chega à revolução.

A partir das últimas horas dessa quarta-feira de 1974, os acontecimentos escalaram de hora para hora. A Renascença apresenta as 24 Horas do 25 de Abril num mapa narrativo, com fotografias, vídeos e sons da reportagem na altura realizada para o programa Limite da Renascença, pelos repórteres Adelino Gomes, Paulo Coelho e Pedro Laranjeira.

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