eco.sapo.ptLuís Leitão - 19 abr. 10:19

Portugal continua a jogar às escondidas com a literacia financeira

Portugal continua a jogar às escondidas com a literacia financeira

Cada novo relatório sobre literacia financeira em Portugal é um déjà vu. Apesar de relatório após relatório espelharem a falta de progresso na literacia financeira, parece que nada muda.

Continuam a ser muitos aqueles que desdenham e até sorriem alegremente para os baixos níveis de literacia financeira dos portugueses, mesmo quando os números escancarados por relatório atrás de relatório mostram que tapar o sol com a peneira não funciona.

É sobre essa realidade que somos novamente confrontados quando analisamos os resultados do 4.º Inquérito à Literacia Financeira da População Portuguesa, realizado em 2023 no âmbito do Plano Nacional de Formação Financeira e publicado na terça-feira.

No ano passado, o indicador global de literacia financeira em Portugal situou-se nos 63,4 pontos, um valor que pouco se afasta dos 60,2 pontos alcançados em 2020, ficando em linha com a mediana de 63 pontos alcançados pelos 20 países da União Europeia avaliados no relatório mas atrás de países como Alemanha, Irlanda e Espanha, por exemplo.

Assim, o primeiro impulso que se tem ao olhar para estes números é perguntar: onde está o progresso? Sobretudo quando, nos últimos três anos, não faltaram empresas, influencers, coachs e entidades de todo o género a levantarem a bandeira da literacia financeira em todo o tipo de plataformas a “venderem o seu peixe”.

Urge uma transformação na maneira como abordamos a educação financeira. Não são suficientes pequenos ajustes ou reformas superficiais. É necessária uma verdadeira aposta educativa que coloque a literacia financeira como um pilar fundamental no currículo escolar.

Este estagnar dos números sugere uma marcha tão lenta no campo do conhecimento, atitudes e comportamentos financeiros por parte dos portugueses nos últimos três anos que poderia competir com a de uma tartaruga reumática numa pista de obstáculos financeiros. Portanto, armados de um humor um tanto ou quanto amargo, somos forçados a admitir que, em termos de literacia financeira, pouco avançamos.

Mas o que significa realmente este imobilismo numérico? Significa que conceitos cruciais como juros simples e compostos, diversificação de risco e poder de compra continuam a ser enigmas para muitos.

Vejamos, por exemplo, o caso fictício do João, um entusiasta do investimento que decide aplicar as suas poupanças sem compreender a diferença entre juros simples e compostos. O resultado? Uma surpresa nada agradável ao constatar que o seu “tesouro” não se multiplicou como esperava, vítima da sua interpretação errónea — ou simplesmente ingénua.

E não sejamos ingénuos ao pensar que a diversificação de risco é um conceito assimilado pela maioria. Poderíamos imaginar a Maria, que, deslumbrada por uma “promissora” startup de scooters voadoras, investe todo o seu capital nesta única empresa. O resultado previsível é um mergulho vertiginoso no abismo das suas finanças pessoais, exemplificando o velho adágio de não colocar todos os ovos na mesma cesta — especialmente se a cesta estiver suspensa por um balão de ideias não testadas.

Quanto ao poder de compra, este é talvez um dos conceitos mais diretamente sentidos no dia a dia, mas ainda assim escorrega na compreensão de muitos como um peixe entre mãos ensaboadas. Com a inflação em alta, observamos uma redução preocupante no poder de compra dos portugueses, que muitas vezes continua a gastar sem ajustar os orçamentos — até que a realidade do saldo bancário se apresente como um “balde de água fria”.

O que estes episódios nos dizem é que a literacia financeira em Portugal ainda corre sobre um terreno repleto de obstáculos.

Numa Era onde a informação é abundante, mas a compreensão nem tanto, urge uma transformação na maneira como abordamos a educação financeira. Não são suficientes pequenos ajustes ou reformas superficiais. É necessária uma verdadeira aposta educativa que coloque a literacia financeira como um pilar fundamental no currículo escolar, desde a infância até ao ensino superior – uma oportunidade que se perdeu novamente no Parlamento, desta vez com uma proposta do Iniciativa Liberal.

Imaginemos uma realidade onde crianças aprendem sobre poupança e investimento com a mesma naturalidade com que aprendem a ler e escrever. Onde adolescentes discutem juros compostos com o mesmo entusiasmo com que debatem sobre o seu ídolo pop favorito. E onde os adultos frequentam workshops e seminários sobre gestão financeira como quem frequenta uma aula de fitness – todos comprometidos com a saúde das suas finanças pessoais.

Não faltam recursos para promover uma séria mudança do panorama nacional da literacia financeira. Só é preciso vontade. E nem é preciso inventar a roda. Basta replicar o que os melhores fazem.

No entanto, enquanto as medidas necessárias não forem implementadas e o caminho continuar a ser repetir relatórios atrás de relatórios quase como se fosse mais importante recolher dados do que transformar esses dados em algo positivo, continuaremos a ter os mesmos resultados que, mais do que apontar progressos, parecem repetir os mesmos lamentos de anos anteriores. E pior: este comportamento condiciona a liberdade financeira dos portugueses e, por arrasto, o futuro do país.

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