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Visão | Quem é Luís Sequeira, o português nomeado para os Oscars pela segunda vez?

Visão | Quem é Luís Sequeira, o português nomeado para os Oscars pela segunda vez?

Em 2018 foi nomeado para o Oscar de Melhor Guarda-Roupa pelo seu trabalho no filme "A Forma da Água", de Guillermo del Toro. Quatro anos depois, repete a façanha, desta vez pela participação em "Nightmare Alley - Beco das Almas Perdidas", do mesmo realizador mexicano. Recorde o perfil que fizemos do luso-canadiano Luís Sequeira, em que ele recorda a sua infância e o ambiente em Hollywood

Quando era criança, Luís Sequeira costumava brincar aos pés da mãe enquanto ela costurava. Divertia-se com os tecidos, botões ou dedais. Apesar de trabalhar num hospital em Toronto, no Canadá, a mãe continuava a fazer roupa, relembrando os tempos em que tinha meia dúzia de mulheres às suas ordens num atelier em Lisboa. Ainda hoje, Luís Sequeira guarda os catálogos com os vestidos de noiva criados por ela, nos anos 50, na capital portuguesa. Quando nasceu, na década seguinte, a família já estava bem integrada na comunidade portuguesa de Toronto.

“A minha mãe era uma senhora muito bonita, tinha uma grande paixão pela moda e também pelo cinema”, recorda, aos 53 anos, ao telefone a partir dessa cidade canadiana onde nasceu e vive atualmente. Apesar de a mãe ter sido determinante no despertar do seu interesse pela moda, a verdade é que ela torcia para que o seu único filho fosse contabilista. “Queria que eu escolhesse uma profissão que desse dinheiro, em vez de ir para a área artística. Mas a minha escolha deu resultado…” Quanto a isso, não há dúvidas.

Luís Sequeira está nomeado para o Oscar de Melhor Guarda-Roupa pelo seu trabalho em A Forma da Água. 
A longa-metragem do realizador mexicano Guillermo del Toro soma 13 nomeações – incluindo Melhor Montagem de Som, que também coloca na lista de possíveis premiados o lusodescendente Nélson Ferreira, igualmente nascido no Canadá. No domingo, 4 de março, saber-se-á se algum dos luso-canadianos irá levar a estatueta para casa à primeira – e se o filme será um dos grandes vencedores (ou um dos grandes derrotados) da 90ª cerimónia dos Oscars.

O designer Luís Sequeira optou por não ver o anúncio dos nomeados em direto. Só quando o seu telefone começou a vibrar incessantemente percebeu que era candidato. Habitualmente, reunia-se com os amigos e acompanhava a cerimónia pela televisão, mas este ano vai estrear-se na passadeira vermelha do Dolby Theatre, em Los Angeles. “Tudo isto foi um enorme presente. Desde ser convidado para fazer o filme até à nomeação”, afirma. 
“É maravilhoso estar entre candidatos com trabalhos fantásticos, precisamente por fazer aquilo de que gosto; quantas pessoas vivem a vida inteira sem fazerem o que realmente gostam?”

Mas quem corre por gosto também cansa. E é em Portugal que Luís Sequeira recupera energias entre os filmes e as séries de televisão dos quais é responsável pelo guarda-roupa. O pai era originário do Estoril e a mãe de Lisboa, mas a sua geografia mais terna fica perto de Aveiro. “Tenho muito boas memórias dos tempos em que íamos a Portugal quando era garoto. Os meus avós maternos viviam numa casinha em São João de Loure [Albergaria-a-Velha]”, recorda. “Ainda tenho essa casa e adoro ir lá.”

Normalmente, viaja duas vezes por ano para Portugal, mas chega a passar temporadas de dois ou três meses, de cada vez, no País. Adora Lisboa e o Porto. “No Canadá, há quem vá descansar para cottages no Norte do país; vão de carro e demoram quatro horas. Eu, em vez de ir de carro, vou de avião!”, brinca, antes de soltar uma gargalhada. Às vezes, no dia seguinte a terminar um filme já está no aeroporto: “Chego a Portugal e passados dois dias sou outra pessoa.”

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Esboços do guarda-roupa do filme A Forma da Água que valeu a nomeação para o Oscar a Luís Sequeira

FOX Searchlight

Alma lusitana

As visitas regulares ajudam-no a manter a fluência no português. “Tenho um sotaque que faz as pessoas sorrir. E gostava de ter mais vocabulário, mas consigo explicar-me mais ou menos…” Na verdade, Luís Sequeira explica-se muito bem. Toda a entrevista à VISÃO foi respondida em português – e só foi preciso clarificar uma ou duas palavras.

“Tenho dupla nacionalidade e sinto mesmo que uma parte de mim é portuguesa”, confessa. “Gosto muito das pessoas. E é um País que mesmo em 2018 tem uma alma antiga.” Mas não é só dos amigos (e do clima) que tem saudades quando está no Canadá; “Adoro lulas grelhadas, camarão, amêijoa 
à Bulhão Pato, porco preto, rojões…” 
E a lista podia continuar.

Já perdeu a conta ao número de pessoas que nos últimos tempos lhe pediram recomendações sobre Portugal. “Quando voltam, dizem que as pessoas são incríveis, que é mais em conta do que ir a Paris ou Berlim, e que a comida é ótima. Também adoram as praias, claro.” Do outro lado do Atlântico, tem a perceção de que o País está a viver uma golden era (época de ouro), mas não está admirado: “Portugal é uma joia da Europa.”

Tem dificuldade em acompanhar o cinema nacional a partir do Canadá, mas alimenta o sonho de vir a rodar um filme na capital portuguesa. E já sabe qual seria a história que gostava de contar: “Há um livro chamado Uma Pequena Morte em Lisboa, de Robert Wilson, que se passa no período da Segunda Guerra Mundial, e eu estou apaixonado por ele. Adorava ser o produtor e fazer o guarda-roupa de um filme inspirado nele.”

Construir um legado faz parte da sua ideia romântica do cinema. “Quando temos o nosso nome num filme, ele continua lá, mesmo se já não estivermos cá”, explica. E nada contribui tanto para um legado cinematográfico como ganhar o mais prestigiado prémio da Academia. Mas a sua paixão pelo cinema vai além do desejo de reconhecimento eterno: “Apaixonei-me pela ideia de criar outros mundos”, conta.

Quando era miúdo, a rotina de sábado à noite era ver filmes antigos. Começou pelos musicais, mas seria a ficção-científica a confirmar-lhe o desejo de entrar no mundo do cinema. Tinha 17 anos quando viu Blade Runner (1982). “Foi fascinante ver como o guarda-roupa do filme alterou a moda da época”, destaca.

Aos 23 anos, quando já tinha a sua própria loja de roupa, trocou definitivamente a moda pelo cinema. 
Começou como estagiário e, no Canadá, foi subindo na hierarquia até chegar a diretor de guarda-roupa. Dez anos depois de ter atingido o topo da carreira, aceitou ser assistente de guarda-roupa em alguns filmes produzidos em Los Angeles, como Giras e Terríveis (2004), de Mark Waters, ou Cinderella Man (2005), de Ron Howard. Seria essa a sua porta de entrada na alta-roda do cinema. “Esses contactos foram fantásticos. Deram-me uma perspetiva do mundo de Hollywood.” Hoje, aconselha sempre os mais novos a não terem pruridos de dar um passo atrás…

Bastidores de Hollywood

Seria durante as filmagens de Mamã (2013), de Andy Muschietti, que se cruzaria com Guillermo del Toro pela primeira vez. “Estava numa prova com a atriz Jessica Chastain, ela fazia de rock chic, e quando abrimos a porta do camarim estava lá o Guillermo. 
A reação dele foi: ‘Uau! Fantástico!’”. 
O realizador mexicano era o produtor-executivo do filme e convidou-o para fazer o guarda-roupa da série de televisão que produziu a seguir, The Strain.

“Sou alguém que, faça o que fizer, tento sempre dar o meu melhor. Penso que o Guillermo viu isso.” Também partilham a mesma visão sobre o papel do guarda-roupa: “Quando fazemos um close-up, a roupa é o cenário dos atores, e é muito importante que complemente o papel, sem lhe tirar nada.”

Luís Sequeira acredita que a sua missão passa por dar vida à roupa. “Há filmes que vemos dez ou vinte anos depois e, apesar de terem o estilo do seu tempo, não são datados. É isso que tento sempre fazer.”

Em A Forma da Água também foi obrigado a superar desafios técnicos. 
“A roupa teve de ser feita com um forro especial para proteger os atores da chuva e fizemos sapatos iguais aos de cabedal em vinil para serem fáceis de secar, depois das filmagens na água”, revela. 
À VISÃO, confessa que a cena final do filme, quando a personagem principal aparenta estar na água, foi, na realidade, filmada no ar. “Tive de desenhar o mesmo fato em tecidos que pareciam ser os mesmos, mas que tinham muita fluidez e, com o vento, moviam-se como se estivessem dentro de água.”

E o desafio de lidar com as estrelas de Hollywood? “Somos todos pessoas. Eu sou como uma espécie de bartender [empregado de bar], as pessoas podem despejar os seus problemas comigo. Faço o máximo para que toda a gente esteja contente com o meu trabalho e não tenho tido problemas. Talvez seja melhor bater na madeira…”, graceja.

A avalanche de denúncias de assédio sexual em Hollywood não o surpreendeu. “Há anos que se ouve histórias sobre algumas destas pessoas.” Esta seria a única resposta em que Luís Sequeira optaria pelo inglês. “[O assédio] era quase uma tradição, uma coisa de que se falava há décadas, acho maravilhoso que agora se entenda que não é de todo aceitável. Nunca foi, mas hoje as pessoas têm mais força para o denunciarem”, assegura.

“Dou grande crédito às primeiras pessoas que tiveram a coragem de falar, com essa atitude deram força a outras vítimas para denunciarem.” E não acredita que o “tsunami” fique por aqui: “Não será só na indústria do cinema, também noutros contextos laborais, e até na família e entre amigos, haverá menos tolerância perante este tipo de comportamento”. “It’s about time [já não era sem tempo]”, conclui.

Atualmente, está a trabalhar numa produção da Netflix, 12/24, um filme natalício com estreia marcada ainda para este ano. O ator Kurt Russell encarna o Pai Natal. Findas as filmagens, Luís Sequeira passará nova temporada em Portugal. “Gosto de ter um equilíbrio entre trabalho e descanso. Tenho pela vida a mesma paixão que tenho pela profissão.” E, quem sabe, talvez traga a estatueta dourada na bagagem.

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