rr.sapo.ptrr.sapo.pt - 2 out. 19:00

Uma católica, um muçulmano e um hindu entram num podcast. Os jovens ainda ligam à espiritualidade?

Uma católica, um muçulmano e um hindu entram num podcast. Os jovens ainda ligam à espiritualidade?

Ajudou os jovens a lidar com o stress da pandemia, é um pilar importante no momento de constituir família e também dá pistas para lidar com os extremismos da atualidade. O transcendente não deixou de fazer parte da vida dos jovens e, neste episódio, juntamos três religiões para discutir diferenças e semelhanças na forma de viver a espiritualidade.

“É mito que não queiramos saber”, “não é verdade que sejamos menos crentes” e “não nos estamos a afastar da religião”. É este o voto por unanimidade feito pelos convidados do episódio desta semana do Geração Z, da Renascença e EuranetPlus, que se sentam à mesa para uma conversa inter-religiosa onde discutem as diferentes formas como os jovens vivem a espiritualidade atualmente.

Eric Habibo, de 29 anos e muçulmano ismaelita, aponta que a grande diferença das gerações mais novas é que “são menos praticantes e acérrimas” com a religião, “ao contrário dos nossos avós”. Este jovem empresário acredita que esta mudança de mentalidades se deve a uma multiplicidade de fatores – desde logo, a mudança nos hábitos de vida e rotinas.

“Um jovem em Portugal trabalha por conta de outrem entre oito a dez horas e ainda faz uma viagem diária para trabalhar que dura em média uma hora. Resta pouco tempo para as restantes tarefas: domésticas, passar tempo com a família e também a prática da fé”, assinala.

Do lado católico, Madalena Videira, de 22 anos e chefe nacional do projeto Missão País deste ano letivo, olha para a questão de uma forma mais abrangente ainda: “há muito esta sede de algo maior, isso é espiritualidade. Em alguns casos, a religião apoia um bocadinho”.

O muçulmano Eric Habibo gostava que o extremismo político aprendesse com o exemplo de "tolerância" de famílias interreligiosas que mostram "amor incondicional ao outro". Foto: Miguel Rato/RR O muçulmano Eric Habibo gostava que o extremismo político aprendesse com o exemplo de "tolerância" de famílias interreligiosas que mostram "amor incondicional ao outro". Foto: Miguel Rato/RR

Para Keval Lakhani, jovem hindu de 29 anos, a equação não fica completa se não se somarem as causas que mobilizam muitos jovens, como a defesa dos direitos das mulheres e das minorias sexuais – “e que levam os jovens a aproximarem-se mais da espiritualidade do que da religião propriamente”.

Madalena alerta que esta é uma “questão “sensível, mas que deve ser discutida” – e que seria “injusto” se não se disse que tem sido feito um esforço, no caso da Igreja católica, para repensar estes temas e atrair as gerações mais novas.

“O Papa Francisco tem feito muito este caminho de se aproximar à realidade e de olhar para as minorias com amor. Isto aproxima claramente os jovens, porque é uma coisa que que nos revolta e temos mais compaixão por essas pessoas, estamos mais alertas”, realça.

Guerra e pandemia ultrapassadas com fé num futuro melhor

Keval Lakhani nasceu e reside atualmente em Portugal, mas já viveu na Índia e Moçambique. Em todos eles, viu que os jovens continuam a recorrer à religião e ao espiritual em situações limite, como foi o caso da pandemia e das alterações climáticas.

“Dentro da espiritualidade e da religião, a essência principal é o sentido e a dignidade humana. E, nos últimos tempos, temos estado a perder muito isso – parece que ficamos sempre mais ligados à fase política”, aponta.

Devido ao conflito no Médio Oriente, Eric tem sentido na pele como Deus pode ser um escape para saber lidar com o sofrimento – e, talvez por isso, lhe custe ainda mais acreditar que possa haver guerras a serem motivadas por razões religiosas.

“Muitas vezes, os argumentos religiosos são usados de forma injustificada. Ver o que está a acontecer não só na nossa comunidade, mas no mundo, causa incompreensão, sofrimento, porque nós já devíamos estar num estado de maturidade e evolução da nossa sociedade, em que o diálogo devia ser possível”, aponta.

Na experiência enquanto jovem muçulmano em Portugal, Eric admite que foi difícil explicar a “fronteira entre extremismo e moderação”, mas diz nunca ter sentido discriminação. Por seu turno, Keval também considera que Portugal é um país “maioritariamente tolerante”, em que as perguntas sobre uma religião politeísta “nunca foram de estranheza, mas sempre de curiosidade”.

Madalena Videira, católica e chefe nacional da Missão País 2024, considera que as religiões têm feito um esforço para atrair jovens ao se aproximarem de temáticas, como a defesa dos direitos de minorias sexuais. Foto: Miguel Rato/RR Madalena Videira, católica e chefe nacional da Missão País 2024, considera que as religiões têm feito um esforço para atrair jovens ao se aproximarem de temáticas, como a defesa dos direitos de minorias sexuais. Foto: Miguel Rato/RR Famílias com diferentes religiões devem ser "exemplo" para políticos

Um estudo divulgado pela consultora Merck publicado em setembro mostrou que 90% dos jovens das gerações Millenial e Z não têm como prioridade ter filhos num futuro próximo.

Na perspetiva de Madalena, os baixos salários dificultam a construção de uma família por parte dos jovens, mas estes números não significam que eles não queiram aventurar-se na parentalidade – até porque muitos são espirituais e sentem-se realizados na experiência de serem pais e mães.

“Enquanto católica, valorizo muito o a família e claro que isso se reflete num casamento num bom namoro, num bom casamento, numa família. Claro que o trabalho tem a sua importância, mas é um equilíbrio”, aponta.

O hinduísta Keval Lakhani diz nunca ter sentido "estranheza" com as perguntas sobre o politeísmo e aplaude a "grande tolerância" que se vive em Portugal. Foto: Miguel Rato/RR O hinduísta Keval Lakhani diz nunca ter sentido "estranheza" com as perguntas sobre o politeísmo e aplaude a "grande tolerância" que se vive em Portugal. Foto: Miguel Rato/RR

Keval lamenta que em Portugal ainda haja “muita pressão por parte do trabalho”, mas assinala que “no caso da comunidade hindu, há muito apoio para quem tem filhos pequenos, como apoio de alimentos e até para tomar conta das crianças”.

Já para Eric, a relação entre fé e família deve ser vista numa perspetiva de pluralidade – e por isso realça “como cada vez mais há casamentos entre pessoas de religiões diferentes”. Um exemplo de diálogo que Eric gostava de ver replicado para outras dimensões, como o debate político e o combate aos extremismos.

“Quem é religioso e tem fé tende a olhar para o próximo com respeito e tende a ver os outros com amor. Há políticos que chamam ao seu discurso questões religiosas, mas que depois confundem-nas com segregação e com ataque a minorias” remata.

NewsItem [
pubDate=2024-10-02 20:00:00.0
, url=https://rr.sapo.pt/especial/geracao-z/2024/10/02/uma-catolica-um-muculmano-e-um-hindu-entram-num-podcast-os-jovens-ainda-ligam-a-espiritualidade/395980/
, host=rr.sapo.pt
, wordCount=932
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2024_10_02_627791405_uma-catolica-um-muculmano-e-um-hindu-entram-num-podcast-os-jovens-ainda-ligam-a-espiritualidade
, topics=[informação, euranet]
, sections=[actualidade]
, score=0.000000]