rr.sapo.pt - 2 out. 21:20
Costa “lançou” subsídios de risco, Montenegro colhe proveitos e protestos
Costa “lançou” subsídios de risco, Montenegro colhe proveitos e protestos
Luís Montenegro herdou de António Costa um “presente envenenado”: a revisão das carreiras da administração pública. Esta quarta-feira, centenas de bombeiros sapadores reivindicaram aumentos salariais e um subsídio de risco igual ao das forças de segurança. Soldados da paz sabem que o Governo está “numa posição frágil para estar a arcar com este tipo de movimento de protesto”.
António Costa abriu, no final do ano passado, a “caixa de pandora” da revisão das carreiras da administração pública – decisão que, passados seis meses de Governo de Luís Montenegro, ainda se faz sentir, assumem dois politólogos ouvidos pela Renascença.
Os protestos dos bombeiros sapadores, na escadaria da Assembleia da República, esta quarta-feira, para reivindicar aumentos salariais e um subsídio de risco igual ao de outras forças de segurança, são apenas o último exemplo.
A 30 de novembro de 2023, ou seja, já depois da implosão política provocada pela “Operação Influencer” e de ser certo que o país ia a eleições, António Costa aprovou em Conselho de Ministros o pagamento de um suplemento de missão para a Polícia Judiciária (de 300 euros), um aumento salarial de 15% para os espiões e outro até 26% para os agentes da Polícia Municipal, entre outras medidas.
Logo à data, PSP e GNR queixaram-se de ficar de fora da revisão das carreiras, reivindicaram o mesmo suplemento de missão concedido à PJ. Mas o antigo primeiro-ministro defendeu, mais tarde, já não ter “legitimidade para negociar ou decidir”, que o Governo estava em gestão.
O ónus da responsabilidade (e trunfo político) ficou para o Governo seguinte. (O caso levou a uma série de protestos, inclusive antes de um debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro.)
Uma herança pesadaÀ Renascença, David Pimenta, investigador e cientista político, diz que seria “ingénuo” pensar que António Costa não fez nenhum cálculo político ao aumentar o subsídio de risco à PJ. E, no mesmo sentido, negar que Luís Montenegro não está, “de forma muito pragmática”, a seguir a mesma linha.
O Governo da AD percebeu que “para conquistar e manter o poder, utilizando a linguagem de Maquiavel, tem de tomar este tipo de ações. Tem de atender aos pedidos de várias forças corporativas que existem na sociedade portuguesa”, afirma.
Em declarações à Renascença, André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, admite mesmo que podemos estar perante um efeito "bola de neve" de reivindicações, que "tenderá a continuar e a agravar-se".
"Um dos problemas de atender a reivindicações de forma casuística, de suplementos especiais, atualizações extraordinárias, etc, é que se resolve o problema no curto-prazo. Aquele grupo que se está a queixar, resolve-se, dá-se ali uma coisa especial. Só que essa coisa especial é depois uma coisa que fica saliente para todos os outros grupos", nota.
No curto-prazo, a “caixa de pandora” de Costa “dá oportunidade a Luís Montenegro de dizer: ‘Estou a resolver o que o PS não resolveu’. Se estivermos a pensar num cenário de crise política, eleições antecipadas, acho que é uma vantagem”.
A médio-prazo ou a longo-prazo, todavia, pode bem ser um “presente envenenado”.
“Quando os efeitos da bola de neve se começarem a fazer sentir, acho que é um presente envenenado. Isto também não é forma de gerir as contas públicas, e gerir a estrutura remuneratória no Estado, andar neste tipo de circuito, de negociar segmento a segmento, atualizações e suplementos excecionais.”
De olho no Orçamento do EstadoEm julho, o Executivo social-democrata chegou a acordo com os sindicatos da PSP e da GNR. No mesmo mês ainda, Nuno Melo anunciou um reforço de 300 euros no suplemento de condição militar.
Neste momento, a revisão das carreias da administração pública “é uma forma de manutenção do poder, porque também tira muitas bandeiras e margem ao PS nesta questão do Orçamento do Estado que aí vem”, diz David Pimenta.
Os bombeiros sapadores são apenas a última classe profissional a chegar-se à frente, a “jogar com o contexto”.
Sabem que o Governo está “numa posição frágil para estar a arcar com este tipo de movimento de protesto”, diz André Azevedo Alves.
“Temos aqui este grupo profissional, que são os bombeiros, a perceber o que se está a passar com os médicos, enfermeiros, com os polícias, etc. E também a quererem jogar este jogo em que percebem que a AD está a utilizar uma postura, entre aspas, mais social-democrata, ao atribuir mais fundos públicos para estes diferentes grupos profissionais”, afirma também David Pimenta.