publico.pt - 2 out. 13:49
A nova Valentino, Disney e a mesma Chanel: sete destaques da Semana da Moda de Paris
A nova Valentino, Disney e a mesma Chanel: sete destaques da Semana da Moda de Paris
De 23 de Setembro a 1 de Outubro, mais de cem marcas apresentaram as suas colecções em Paris. Eis sete destaques eleitos pelo PÚBLICO.
Foram mais de cem desfiles na Semana da Moda de Paris. Nomes históricos como a Dior, Chanel, Louis Vuitton ou Saint Laurent apresentaram as colecções da próxima Primavera/Verão sem espaço para grandes surpresas. O destaque da semana foi para o excêntrico Alessandro Michele, que se estreou na Valentino com o maximalismo que é apanágio não só do criador, mas também da casa italiana. “Penso que a moda é o embelezamento do jardim que é a vida”, declarou o criador.
Dior: os Jogos Olímpicos continuamMaria Grazia Chiuri continua a correr da maratona dos Jogos Olímpicos. A directora criativa da Dior levou o athleisure a um novo nível no desfile, num cruzamento entre o luxo e o desporto, inspirada pelas amazonas — que também já tinham inspirado o próprio Christian Dior em 1951.
A inspiração foi de tal forma literal que a artista e arqueira Sagg Napoli abriu a passerelle no Museu Rodin, envergando um pequeno body preto e sandálias até ao joelho. Enquanto as modelos desfilavam, a atleta atirou ao arco dentro de uma instalação de vidro com mais de 70 metros. “Ela representa a amazona contemporânea”, elogia a criadora, que também pratica tiro ao alvo.
Foto Dior Johanna Geron/ReutersOs primeiros coordenados foram monocromáticos, com o preto a dominar a proposta, ora em fatos assimétricos, como em saias mais femininas, desconstruídas pelo ADN desportivo da colecção. Grazia Chiuri recuperou o logótipo antigo da marca usado na década de 1970 em peças desportivas, como fatos de treino ou peças em malha — as riscas brancas nos looks pretos quase faziam lembrar a Adidas.
“A partir dos anos 60 e 70, o desporto transformou a forma como os homens e as mulheres se vestiam. Marc Bohan compreendeu imediatamente isso”, declara Maria Grazia Chiuri, que foi ao arquivo dos primórdios do athleisure, mas dando-lhe a elegância que caracteriza a marca. A revolução estendeu-se ainda aos acessórios com a clássica mala Lady Dior a ganhar uma alça para colocar a tiracolo.
Apesar da explicação da criadora, a inspiração também poderá ter por trás uma componente comercial, já que a LVMH, que detém a etiqueta, patrocinou os Jogos Olímpicos e a Dior vestiu personalidades como Lady Gaga e Céline Dion na cerimónia de abertura, entre outras.
Foto Saint Laurent Johanna Geron/reuters Saint Laurent e Bella HadidAnthony Vaccarello é um dos mais consensuais directores criativos ao leme das casas de moda de luxo. De postura discreta, o sucesso de Yves Saint Laurent foi ofuscado por Bella Hadid no desfile de Primavera/Verão 2025. A modelo de origens palestinianas regressou à passerelle depois de dois anos de hiato.
Hadid surpreendeu com o visual-assinatura de Yves Saint Laurent, um fato preto de silhueta exagerada e uns óculos de lentes escuras a cobrir-lhe o rosto. O regresso da supermodelo podia ser expectável, já que em Junho foi anunciada como uma das embaixadoras da casa de moda. Pouco antes, no Festival de Cannes, usou um vestido transparente assinado por Vaccarello que havia de ser um dos mais falados da passadeira vermelha.
Com tanto frenesim em torno deste regresso, a colecção quase passou despercebida. Anthony Vaccarello apostou na silhueta masculina com a alfaiataria a destacar-se pelos ombros exageradas e pelas imaculadas gravatas pretas. Destaque também para os casacos estilo bomber que sobrepunham os fatos, tal como as clássicas gabardines, apanágio da maison.
Em contraste com o lado mais severo, numa dualidade entre a silhueta feminina e as minissaias com folhos, o criador acrescentou cor à colecção com os estampados florais, ora em chiffons, ora em jacquards e brocados. A fechar: as saias compridas e esvoaçantes de estilo boémio, que tem sido uma tendência nas passerelles.
Foto Valentino Johanna Geron/Reuters O excessivo Michele na ValentinoNão é uma hipérbole dizer que a estreia de Alessandro Michele na Valentino era o desfile mais aguardado desta edição da Semana da Moda de Paris. “Como é que podia não estar stressado?”, confessava o criador nos bastidores antes do desfile, citado pela imprensa de moda. Não havia dúvidas de que o italiano traria o maximalismo que o caracteriza e que tinha levado também para a Gucci onde esteve até 2022.
Michele cumpriu a promessa e trouxe alguns dos ingredientes que distinguem a Valentino desde 1960, quando a casa foi fundada por Valentino Garavani e Giancarlo Giammetti. Até porque subtileza e minimalismo nunca fizeram parte desta assinatura, “a nova madrugada” da casa, como lhe chamou, faz-se de um regresso ao barroco e ao Renascimento, mas com inspiração no próprio arquivo da casa, depois de uma “extensa pesquisa”.
É prática comum um novo director criativo revisitar os arquivos para a primeira colecção e, por vezes, a estratégia pode resultar na ausência de novidade. Michele recuperou algumas peças-estrela das décadas de 60, 70 e 80, mas acrescentou a exuberância da sua assinatura em 85 coordenados. Houve espaço para lantejoulas, bordados, folhos, laços, plissados e rendas, sem abusar dos monogramas — algo que era frequentemente acusado de fazer na Gucci.
Nos padrões, foi um festim com as bolinhas a voltarem em força, recuperando um dos favoritos da Valentino, a que o anterior director criativo, Pierpaolo Piccioli, recorria menos. Quem esperava um excesso de vermelho ou de rosa, duas cores automaticamente associadas à etiqueta, poderá ter ficado desiludido, com apenas dois coordenados no vermelho Valentino, além de detalhes como os collants.
Apesar de não ter dúvidas de que a proposta tem muito dele — “Sim, pode parecer-se muito eu, de certa forma. Estou aqui, e sou eu” — Michele vê-se mais como “um guardião” do legado. “É uma casa real com um dono real, com a sua cadeira, a sua mesa. É como se fosses um hóspede, por isso é preciso dar um mergulho profundo. Analisei todas as coisas, todos os pormenores, os folhos, os laços, as bolinhas, as cores, os bordados, os enfeites, e também a síntese que ele fez de uma forma muito opulenta num só”, detalhou à Women’s Wear Daily (WWD).
No fundo, quis trazer uma festa a Paris. “Estamos a atravessar um momento difícil. As pessoas têm medo de viver, mas eu quero viver. Não tenho hipótese de ser diferente daquilo que sou. E não me importo com isso”, declarou, citado pela Harper’s Bazaar. E terminou: “Penso que a moda é o embelezamento do jardim que é a vida.”
Foto McQueen DR A afirmação da nova McQueenA estreia de Seán McGirr na McQueen em Fevereiro não foi consensual, com o irlandês a ser acusado de não se descolar do que já tinha sido feito e de ter jogado demasiado pelo seguro. Eis que, seis meses depois, o novo director criativo teve a sua desforra e fê-lo ao estilo gótico com um retorno a 1994 e à sua própria história.
McGirr inspirou-se numa figura do folclore irlandês, a banshee, um espírito feminino que se diz prever a morte de um familiar. A própria banshee percorreu a passerelle com um coordenado repleto de brilho a cobrir-lhe o rosto, tal como o próprio Alexander McQueen também tinha homenageado em 1994. “É um fio condutor comum entre mim e McQueen”, explicou o criador ao The Guardian.
Há 30 anos, no polémico desfile, uma modelo grávida com o cabelo rapado desfilou ao som de gritos. “Comecei por ver os esboços do desfile que temos nos arquivos”, acrescentou McGirr, que descreve o arquivo da casa como uma arca do tesouro com “toiles inacabados, restos de tecido, sapatos que estão meio gastos”.
O tema levou a uma desconstrução das silhuetas e da alfaiataria com referência à histórica Savile Row de Londres ou aos uniformes escolares. Os colarinhos tornaram-se mais compridos, os chumaços dos ombros ultra estruturados, com as cinturas a serem definidas com um drapeado, como se os casacos estivessem a ser apertados pelas mãos do seu utilizador.
Em contraste, os vestidos foram construídos em chiffons esvoaçantes com assimetrias, folhos e drapeados. Houve, ainda, espaço para vestidos de noite com penas aplicadas, lantejoulas e rendas em tons vibrantes.
Foto Chanel MOHAMMED BADRA/Reuters Chanel sem pressaEm Junho, Virginie Viard saiu subitamente da liderança criativa da Chanel. Três meses depois, o posto continua por preencher e a marca parece não se importar. Nesta terça-feira, em Paris, a maison colocou uma gaiola vazia ao centro da passerelle do Grand Palais, em referência a um anúncio de 1991 do perfume Coco, que também pode ser uma alusão ao cargo de liderança criativa que continua por preencher.
E parece que assim continuará por mais algum tempo, já que o presidente de moda da Chanel, Bruno Pavlovsky, se recusou a confirmar quando é que “chegará o novo líder artístico”, detalhando que a equipa de design que assinou esta colecção já está a trabalhar nos próximos desfiles — a alta-costura apresenta-se tipicamente em Janeiro. “Não estamos com pressa. Não se trata de encontrar um designer que fique cá dois anos, trata-se de encontrar a pessoa certa que possa abraçar a enorme escala da Chanel e liderar uma nova visão a longo prazo”, respondeu, citado pelo The Guardian.
Até porque a Chanel não procura alguém que venha trazer demasiada novidade ao negócio, avaliado em mais de 18 mil milhões de euros, admite a empresa. “Alguns designers adoram a disrupção, mas na Chanel nós adoramos a lealdade e a continuidade. Gabrielle Chanel instalou os melhores códigos, Karl foi o melhor a modernizá-los e Virginie continuou na mesma direcção. A Chanel é maior do que qualquer designer, e a Chanel mantém-se Chanel.”Por agora, a imprensa especialista tem especulado sobre alguns nomes que possam suceder a Viard, com Hedi Slimane, John Galliano (que está na Maison Margiela) e Marc Jacobs a liderarem a apostas.
Até lá, a Chanel vai-se mantendo no expectável, sem arriscar demasiado, reforçando os códigos da casa de que falava Pavlovsky, mas com um toque jovial. Para a próxima Primavera/Verão, os clássicos fatos em tweed ganham tons pastel, mais leves do que o habitual, e também novas silhuetas, como os casacos estilo bomber ou os calções. As malas passaram a ter bolsos de lado e ganharam formas mais descontraídas. A fechar, vestidos em tecidos vaporosos, mantendo os icónicos laços e folhos.
Foto Louis Vuitton MOHAMMED BADRA/Reuters Louis Vuitton no LouvreO pátio do Museu do Louvre tornou-se na passerelle da Louis Vuitton com a arquitectura a inspirar Nicolas Ghesquière. Volvida uma década à frente de uma casa de moda, é um desafio manter a novidade e, por vezes, é tentador cair na repetição do que já se sabe ser um sucesso garantido. Terá sido por isso que apostou num dos seus maiores êxitos, a Petite Malle, que reinterpreta a clássica mala de viagem da Vuitton.
De resto, as silhuetas foram a principal novidade, num misto entre casacos e pequenos vestidos, com mangas abalonadas, inspirados pelo Renascimento. “Foi quando a moda começou a existir tal como a conhecemos. Decidiram vestir-se bem, embelezar-se. Claro que também havia alguma opulência”, declara o criador citado pela WWD. A peça foi o destaque da proposta, experimentada em diversos materiais, como o vinil ou o tweed, e combinada com mini-calções. Os vestidos assumiram o mesmo corte arquitectónico ora com as cinturas bem vincadas e minissaias, ora numa azáfama de drapeados e de sobreposições.
“Pensámos que seria muito interessante quebrar os limites e tentar definir a arquitectura na fluidez, na força do ar e na forma como se pode evocar esta silhueta poderosa, mas em movimento”, define Nicolas Ghesquière, que descreve a colecção como “um poder suave”. Na antítese da leveza, o criador explorou também abordagens mais arrojadas como as franjas em pele, pesados acessórios em prateado ou as calças com apenas uma perna.
Na primeira fila, o dono da LVMH, Bernard Arnault, aplaudiu em sinal de aprovação, ladeado pela primeira-dama, Brigitte Macron, cuja proximidade a Nicolas Ghesquière é conhecida, e Zendaya, que roubou as atenções dos fotógrafos.
Foto Coperni Benoit Tessier/reuters Coperni na DisneyVilões, princesas, sereias. A Coperni foi à Disney e trouxe todos os clichés esperados para o desfile em frente ao Castelo da Bela Adormecida. Foi a primeira vez que o parque de diversões de Paris foi fechado para um desfile de moda e a expectativa era alta. Não é, todavia, a primeira vez que a Disney colabora com marcas de moda — já o fez com a Balmain, a Miu Miu, a Gucci, a Stella McCartney ou a Coach.
Mas a Coperni, que já é conhecida pela originalidade (de lembrar o vestido pintado de Bella Hadid) não quis assumir o tema de maneira literal — houve, contudo, T-shirts de merchandising sobrepostas em alguns coordenados. Não trouxeram, no entanto, Mickey Mouse à passerelle (só uns sapatos com as orelhas do rato da Disney) ou Cinderela, mas calças assimétricas, minivestidos em tecidos românticos dignos de uma princesa moderna, ou gabardines de silhueta exageradas que podiam ter sido vestidas pela Cruella de Vil.
O casting do desfile contou com nomes fortes como Lila Moss (filha de Kate Moss), Paloma Elsesser, Jill Kortleve ou Irina Shayk. A fechar o desfile, Kylie Jenner usou um vestido preto em tafetá acompanhado de umas dramáticas luvas, enquanto o fogo-de-artifício era disparado do topo do Castelo da Bela Adormecida.
Alguma das peças da colaboração com a Disney, como a conhecida Swipe Bag, já estão disponíveis no site da Coperni. Os restantes artigos assinados pela dupla Sebastien Meyer e Arnaud Vaillant só estarão disponíveis no próximo ano quando a colecção de Primavera/Verão chegar às lojas.
A Coperni colocou um ponto final à Semana da Moda de Paris, que marca também o encerramento da temporada de Primavera/Verão 2025. Na próxima semana, de 10 a 13 de Outubro, será a vez dos criadores portugueses apresentarem as suas colecções na 63.ª edição da ModaLisboa.