observador.pt - 2 out. 18:35
Espanha passa a pagar água do Alqueva, mas caudais do Tejo não convencem ambientalistas. As negociações sobre os rios que cruzam a fronteira
Espanha passa a pagar água do Alqueva, mas caudais do Tejo não convencem ambientalistas. As negociações sobre os rios que cruzam a fronteira
Do Minho ao Guadiana, há 25 anos que Portugal e Espanha têm um tratado para gerir os rios que partilham, mas abundam os incumprimentos. Agora, sob críticas dos ambientalistas, há novas negociações.
Ali, o Tejo ainda se chama Tajo. Na cidade de Aranjuez, a uma hora de Madrid, os jardins do Palácio Real são atravessados por um pequeno rio que, centenas de quilómetros depois, há de desaguar na capital portuguesa. Foi naqueles jardins, banhados pelas águas de um rio comum, que as ministras do Ambiente de Espanha e de Portugal encontraram um local simbólico para, em conjunto, anunciarem que tinham chegado a um princípio de acordo sobre um tópico que, na relação entre os dois países ibéricos, será ainda mais complexo do que a questão de Olivença: a gestão dos muitos rios que atravessam a fronteira.
Após um processo cuja falta de transparência foi duramente criticada pelas associações ambientalistas, as duas ministras têm agora um princípio de acordo que deixa ainda muitas dúvidas em aberto — e que deverá ser formalmente assinado na próxima cimeira luso-espanhola, que se realiza em 23 de outubro. Para já, sabe-se que vai passar a haver caudais mínimos diários no Tejo, que Espanha passa a pagar a Portugal pela captação de água em Alqueva e que os dois países vão regularizar a captação de água para uso agrícola no Guadiana internacional, na zona do Pomarão (Mértola). Tudo questões sobre as quais os ambientalistas têm ainda as maiores dúvidas — ao mesmo tempo que o Ministério do Ambiente continua a fechar-se em copas e a não divulgar os termos concretos do acordo que será assinado este mês.
Alguns dos principais rios do país, como o Minho/Miño, o Lima, o Douro/Duero, o Tejo/Tajo ou o Guadiana, são partilhados entre Portugal e Espanha. Nascem em território espanhol e vão desaguar em praias portuguesas — e, em longos troços internacionais, até são eles a definir as fronteiras entre os dois países.
Para lá de uma dimensão puramente simbólica que, para alguns, transforma os rios em ícones de uma identidade comum a portugueses e espanhóis, a gestão partilhada dos rios ibéricos tem sido fonte de grandes dores de cabeça para os dois países. A complexidade desta gestão aumentou nas últimas décadas: a seca cada vez mais frequente e intensa obrigou os dois países a darem maior atenção à gestão da água e, a par da crescente procura por fontes de energia renovável, levou à construção de barragens ao longo dos cursos de água.
Atualmente, há largas dezenas de barragens e albufeiras nos rios que Espanha e Portugal partilham, o que coloca um problema especialmente grave para Portugal: uma vez que a água corre de Espanha para Portugal, são os espanhóis quem fica com a chave da água que chega a território português. Para os agricultores das regiões fronteiriças, as captações nas águas internacionais também levantam questões diplomáticas complexas. No centro de uma questão cada vez mais delicada está a dificuldade em conciliar uma gestão sustentável dos rios (que implica garantir a continuidade dos ecossistemas fluviais) com uma política de combate à seca em dois países que lutam pela pouca água disponível.
Em 1998, Portugal e Espanha assinaram a Convenção de Albufeira, o tratado internacional que regulamenta a gestão dos rios partilhados pelos dois países. Entre outros aspetos, a Convenção de Albufeira determina os caudais que Espanha tem de enviar para Portugal em todos os rios partilhados, de modo a garantir a vida daqueles cursos de água. Para os ambientalistas, a Convenção de Albufeira é manifestamente insuficiente para garantir uma boa gestão destes rios. Um dos aspetos mais relevantes apontados pelo setor ambientalista nacional prende-se com o facto de o tratado apenas prever caudais mínimos anuais, trimestrais e semanais, que são fixados política e administrativamente.
No entender dos ambientalistas, esta política não é suficiente para garantir a continuidade dos caudais dos rios: por absurdo, Espanha pode enviar uma boa parte do caudal num curto período, retendo água durante um tempo mais alargado. Na prática, a continuidade do caudal dos rios fica entregue à gestão das barragens espanholas, às necessidades de produção el��trica de Espanha e ao abastecimento de água às cidades espanholas. Em setembro de 2019, foi uma situação destas que esteve na origem da grave seca que levou o rio Tejo a praticamente secar na fronteira: em julho de 2019, a dois meses do fim do ano hidrológico, Espanha ainda tinha de enviar cerca de 30% do caudal mínimo anual. A água foi libertada à última hora, para cumprir com os mínimos exigidos e evitar multas, e a barragem de Cedillo foi praticamente esvaziada. Na altura, o Observador contou os detalhes dessa história nesta longa reportagem multimédia.
Os ambientalistas portugueses exigem que Portugal exija a Espanha, mais do que caudais mínimos semanais, o cumprimento de caudais ecológicos, definidos com critérios científicos para assegurar a continuidade do fluxo da água e a manutenção dos ecossistemas fluviais.
Agora, no ano em que se comemoram os 25 anos desde a entrada em vigor da Convenção de Albufeira, Portugal e Espanha voltaram a sentar-se à mesa — com a expectativa, da parte dos ambientalistas, de que alguns dos problemas crónicos da Convenção de Albufeira pudessem ser resolvidos, já que estes 25 anos têm sido marcados por vários incumprimentos do tratado.
Uma das expectativas era a de que Portugal pudesse exigir a Espanha o cumprimento de caudais ecológicos no rio Tejo como contrapartida para a captação de água, por parte de Espanha, na bacia hidrográfica do Guadiana. Contudo, o processo negocial tem sido marcado por uma falta de transparência que, para os ambientalistas, mina a credibilidade do novo acordo. Os termos gerais da negociação, que foram conhecidos na semana passada, deixam ainda muitas dúvidas em aberto.
Ambientalistas quiseram saber termos do acordo, mas ficaram sem respostaAo Observador, a ambientalista Sara Correia, da associação Zero, que tem acompanhado de perto o processo, explica que a negociação “surgiu da nossa necessidade, mas também de Espanha, de viabilizar duas captações na zona do Pomarão”, uma povoação do concelho de Mértola junto ao Guadiana internacional, na área em que o rio delimita a fronteira entre Portugal e Espanha.
Atualmente, Espanha mantém uma captação de água em Bocachanza sem a autorização de Portugal, violando a Convenção de Albufeira e retirando anualmente centenas de milhões de litros ilegalmente do Guadiana internacional. A captação “tem funcionado à margem de qualquer negociação há muitos anos”, diz Sara Correia. “Agora, Portugal pretende também instalar uma captação para levar água à barragem de Odeleite, com fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Isto veio trazer a necessidade de negociações”, explica a ambientalista.
Com este contexto — e a propósito das comemorações dos 25 anos da Convenção de Albufeira —, Portugal e Espanha sentaram-se à mesa para tentarem chegar a um acordo exclusivamente focado nos rios Tejo e Guadiana, aqueles em que há mais controvérsias, e com vários dossiês em discussão.
Um dos mais polémicos tem justamente que ver com o rio Guadiana e, concretamente, com a barragem de Alqueva. Há 20 anos que agricultores espanhóis têm captado ilegalmente água nos braços da albufeira de Alqueva, o que tem gerado desconforto entre os dois países. Em julho, ouvida no Parlamento, a ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, confirmou que Espanha deve cerca de 40 milhões de euros a Portugal pela água captada ilegalmente.
Aos deputados, a ministra garantiu que já tinha tido conversas com a homóloga espanhola, Teresa Ribera, que lhe tinha garantido a disponibilidade de Espanha em apurar a dívida, pagá-la e ultrapassar o “mal-estar” provocado pelo caso. Explicando que as captações ilegais estão “todas georreferenciadas”, a ministra revelou que os espanhóis tiram ilegalmente em média dois milhões de euros por ano em água da barragem de Alqueva, um valor que Madrid estava empenhado em regularizar.
Em agosto, a ministra revelou que Espanha passaria a pagar dois milhões de euros por ano a Portugal por estas captações de água — havendo, contudo, dúvidas sobre se os 40 milhões de euros referentes aos últimos anos seriam ou não pagos.
Espanha vai pagar 2 milhões de euros por ano a Portugal por captações de água no Alqueva
Ainda no rio Guadiana, um dos pontos-chave da negociação era justamente a possível regularização das captações de água na parte internacional do rio, na zona do Pomarão: da parte de Espanha, a regularização das captações já existentes; da parte de Portugal, a possibilidade de também passar a captar água no Guadiana internacional para a barragem de Odeleite. De acordo com Sara Correia, há também dúvidas sobre o que foi efetivamente negociado. “Segundo o estudo de impacte ambiental que foi feito, é suposto que Portugal capte naquele lugar um máximo de 30 hectómetros cúbicos por ano, havendo condicionantes consoante a precipitação e outros fatores. Ora, no caso da captação espanhola, ela já está acima desses 30 e sabemos que o governo de Andaluzia tinha a intenção de aumentar.”
Como contrapartida para a regularização destas captações de água no Guadiana, Portugal pediu a Espanha a garantia de caudais ecológicos no rio Tejo. Se, atualmente, a Convenção de Albufeira apenas garante caudais mínimos semanais, trimestrais ou anuais, a ideia é que no rio Tejo passe a haver “uma distribuição mais uniforme através dos dias, que não seja tudo num dia da semana e depois não haja caudal”, explicou a ministra em agosto. Os ambientalistas, porém, lamentam que a ministra esteja a usar a expressão “caudal ecológico” para definir um mero “caudal diário” — em vez de um caudal que garanta a continuidade dos ecossistemas.
Durante semanas, o processo negocial entre Portugal e Espanha esteve envolto em secretismo — tanto que quase 40 associações ambientalistas portuguesas, incluindo a Zero, a Quercus, a Oikos, a LPN, a ANP/WWF e várias organizações de defesa dos rios enviaram uma carta aberta à ministra do Ambiente a exigir a divulgação dos termos do acordo. “Este acordo terá implicações profundas para a sustentabilidade ambiental e a equidade na distribuição de água e, em vista da sua importância, é crucial que os termos sejam tornados públicos antes da assinatura, a fim de garantir um processo transparente, dando a oportunidade de uma resposta informada e atempada da sociedade civil”, escreveram as associações.
“A história dos acordos internacionais em temas ambientais demonstra a importância da transparência para a eficácia e aceitação desses acordos, pelo que a publicação antecipada dos termos permitirá uma análise detalhada e uma discussão aberta, garantindo que o acordo seja justo e atenda aos princípios de sustentabilidade e equidade”, lê-se na carta aberta. “Além disso, a transparência fortalecerá a confiança pública nas instituições e nas decisões tomadas, refletindo um compromisso para com a boa governação e a responsabilidade ambiental.”
Zero pede transparência na elaboração do acordo ibérico para a gestão hídrica
No entender das associações ambientalistas, “as políticas da água não podem ser definidas por um grupo restrito de atores, ficando a restante sociedade sujeita às consequências destas políticas”. Para as várias associações, um processo pouco transparente acarretava o risco de enfraquecer a posição negocial de Portugal: os ambientalistas querem saber exatamente o que é que Portugal está a exigir a Espanha no âmbito destas negociações e não aceitam, por exemplo, que o país se contente com os caudais mínimos diários no rio Tejo.
Contudo, confirma Sara Correia ao Observador, “a carta aberta não teve qualquer resposta”. A ambientalista diz que a Zero, tal como outras associações, contactaram o Ministério do Ambiente “no sentido de divulgarem os termos do acordo”, mas sem sucesso. “Não sentimos que houvesse qualquer abertura da parte do Ministério”, diz. O Observador pediu ao Ministério do Ambiente acesso ao documento integral negociado em Aranjuez na semana passada, mas não obteve qualquer resposta.
“Os caudais diários não servem as necessidades dos ecossistemas”Uma das associações ambientalistas mais ativas neste debate tem sido o Movimento proTEJO, organização que se dedica especificamente à defesa do rio Tejo e que tem, ao longo dos anos, lutado por alterações à Convenção de Albufeira. Em julho, o movimento já deixava, no seu blogue, um apelo à ministra Maria da Graça Carvalho para que negociasse com Espanha “um verdadeiro regime de caudais ecológicos no rio Tejo” e para que Portugal não aceitasse “a esmola de Espanha de caudais mínimos diários”.
No caso concreto do rio Tejo, o que acontece atualmente é que a Convenção de Albufeira prevê que Espanha tenha de enviar para Portugal todos os anos um total de 2.700 hectómetros cúbicos de água. Contudo, este valor anual não está todo calendarizado: apenas 995 estão divididos pelos trimestres, havendo depois também valores mínimos semanais. Isto significa que uma grande quantidade da água que Espanha tem de enviar anualmente a Portugal pode ser enviada a qualquer momento, de acordo com a vontade e necessidade da empresa que concessiona a barragem de Cedillo — a porta de entrada do Tejo em Portugal.
O Movimento proTEJO acusa a ministra do Ambiente de confundir os conceitos de “caudal mínimo diário” e “caudal ecológico”.
“Pedimos à Senhora Ministra do Ambiente e da Energia para não confundir os cidadãos portugueses com uma proposta de caudais mínimos diários, que, aliás, já tinha sido mal tentada pelos seus antecessores, que propunham a divisão dos atuais 7 hm3 de caudal mínimo semanal pelos 7 dias das semanas, ou seja, 1 hm3 por dia a serem largados à hora que muito bem desejasse a concessionária hidroelétrica espanhola”, escreveu no verão esta associação, sublinhando que “um caudal diário não é um verdadeiro caudal ecológico, contínuo e instantâneo, mas apenas um caudal mínimo com o objetivo de servir principalmente a produção de energia”.
Portugal e Espanha acordam caudais diários para o Tejo e definição para o Guadiana
Para aquele movimento, o conceito de caudal ecológico deve ser definido de acordo com o que ficou estabelecido no Plano Nacional da Água de 2022: “Regime de caudais necessário para garantir o bom estado das águas, no sentido de minimizar os impactes sobre os ecossistemas dulçaquícolas a jusante dos aproveitamentos hidráulicos, que permitam assegurar: a conservação e manutenção dos ecossistemas aquáticos naturais; a reprodução das espécies; a conservação e manutenção dos ecossistemas ripícolas; e os aspetos estéticos da paisagem ou outros de interesse científico e cultural.”
Depois de a ministra do Ambiente ter anunciado que Portugal exigiria a Espanha o cumprimento de caudais mínimos diários, o Movimento proTEJO veio sublinhar que aquilo que a governante mencionou não é um verdadeiro caudal ecológico: um caudal mínimo diário pode ser alcançado se uma barragem turbinar uma determinada quantidade de água num curto período de tempo, ficando o resto do dia sem caudal.
“Um caudal ecológico é um caudal que deve simular o que seria o caudal normal do rio se não houvesse barreiras”, explica Sara Correia ao Observador. “Um caudal diário pode ser libertado numa hora e não haver libertação de água nas outras 23 horas”, exemplifica. “No caudal ecológico, tem de haver alguma regularidade, mas também respeito pelo que seriam os períodos secos e húmidos, etc. Os caudais diários, do nosso ponto de vista, não são caudais ecológicos.”
Sem um caudal que replique minimamente o que seria o fluxo normal do rio sem barreiras artificiais, há um “impacto direto nos ecossistemas”, explica a ambientalista, sublinhando que “os caudais diários não servem as necessidades dos ecossistemas”. Um caudal ecológico deve garantir uma continuidade no fluxo de água ao mesmo tempo que varia consoante a época do ano e as condições meteorológicas de cada ano, por exemplo.
Sara Correia lembra, por outro lado, que “a própria Convenção de Albufeira definia que os caudais semanais seriam temporários até serem definidos caudais ecológicos” — algo que nunca aconteceu nestes 25 anos.
Portugal perdoa dívida de Espanha, mas passa a cobrar água de AlquevaApós um processo de negociações afastado dos holofotes, as duas ministras encontraram-se na semana passada no Palácio Real de Aranjuez, em Espanha, nas margens do rio Tejo, para anunciar que tinham chegado “a um princípio de acordo em relação ao Tejo, ao Guadiana e ao Alqueva”. Não se trata ainda de um acordo final, já que as negociações deverão prosseguir até ao final de outubro, altura em que o acordo definitivo será assinado na cimeira luso-espanhola.
Contudo, numa conferência de imprensa na sexta-feira, o único momento em que as governantes falaram abertamente sobre os detalhes do acordo, a ministra do Ambiente e da Energia, Maria da Graça Carvalho, ao lado da ministra espanhola da Transição Ecológica e Desafio Demográfico, Teresa Ribera, anunciaram as linhas gerais do princípio de acordo no que toca àqueles três tópicos mais quentes.
No que toca à barragem de Alqueva, a ministra portuguesa revelou que “os utilizadores espanhóis passam a pagar este serviço nas mesmas condições que os utilizadores portugueses”. Ou seja, Portugal deverá passar a receber cerca de dois milhões de euros por ano pela utilização de água de Alqueva na agricultura em Espanha — um valor que é apenas uma estimativa com base no passado, mas que vai depender da contabilização da água efetivamente captada em cada ano.
Já no que toca à dívida de 40 milhões de euros relativa aos últimos 20 anos, parece ter sido perdoada. Na conferência de imprensa, em declarações citadas pelo Público, Maria da Graça Carvalho explicou que “não é possível pagar para trás” e que “seria impossível reconstruir o passado, porque não foi sequer pedido que isso acontecesse”. A ministra portuguesa disse mesmo não considerar “que os agricultores tenham sido prejudicados”, já que “tiveram acesso à água e puderam desenvolver a sua agricultura”.
Por isso, a solução para pacificar o desconforto em torno do assunto foi perdoar a dívida. “Era impossível fazer um historial do passado, pusemos uma pedra sobre o assunto e agora vamos começar de novo”, disse Maria da Graça Carvalho.
Quanto às captações de água no rio Guadiana, os dois governos também chegaram a acordo, embora seja ainda incerto como se vai operacionalizar. “Na definição dos caudais do troço final do Guadiana, será dada prioridade ao bom estado do estuário do Guadiana, sendo criado um programa de acompanhamento que permita monitorizar este regime e os seus eventuais impactos. Os caudais que fiquem disponíveis para usos socioeconómicos poderão ser utilizados, em partes iguais, pelos dois países”, diz um comunicado do Ministério do Ambiente enviado após a reunião das duas ministras.
O comunicado dá ainda conta da “garantia dos dois países de viabilizar a captação de água do Pomarão e de Bocachanza, um reconhecimento que permite a Portugal avançar com este projeto para aumentar a resiliência hídrica na região do Algarve e no Alentejo, através do Pomarão”.
Sara Correia, da associação ambientalista Zero, tem dúvidas sobre o que é que isto significa na prática. Lembrando que o estudo de impacte ambiental para a captação portuguesa prevê uma captação máxima de 30 hectómetros cúbicos por ano e que a captação espanhola já ultrapassou esse valor, “ficam muitas dúvidas sobre o que será isto de captar em partes iguais”. De acordo com a ambientalista, ou Portugal poderá captar mais do que os 30 hectómetros cúbicos previstos no estudo, ou Espanha terá de reduzir a captação atual — algo improvável num contexto em que as autoridades espanholas planeiam reforçar esta captação.
Por fim, quanto aos caudais do rio Tejo, os dois países ibéricos chegaram a um “compromisso de garantir caudais diários, a partir da barragem de Cedillo, para a manutenção dos caudais circulantes do rio Tejo”, diz o mesmo comunicado, que remete para “próximas reuniões técnicas entre as entidades portuguesas e espanholas” a definição dos valores concretos.
“Acabaram os dias de caudal zero no rio Tejo”, resumiu a ministra portuguesa do Ambiente. “Este é um passo há muito desejado por Portugal. Com este entendimento, resolvemos uma questão pendente, que estava há mais de duas décadas por resolver e que vai garantir estabilidade e consistência, dois requisitos fundamentais para uma gestão sustentável dos recursos hídricos e para a saúde dos ecossistemas.”
Já depois da conferência de imprensa da última sexta-feira, o Movimento proTEJO veio reconhecer o “sentido positivo” das declarações da ministra, mas repetiu o alerta: fixar caudais diários para o rio Tejo é um erro se não forem definidos os caudais ecológicos.
“Felicitamos as declarações da senhora ministra do Ambiente e da Energia, Maria da Graça Carvalho, por assumir a existência de um problema de enorme volatilidade dos caudais do rio Tejo com origem em Espanha, a necessidade de estabelecer caudais diários que permitam a conservação dos ecossistemas e a clarificação de que não podem existir momentos de caudais nulos no rio Tejo”, admitiu o movimento. “Apesar do sentido positivo destas declarações, o movimento proTEJO teria ficado satisfeito se, em vez de caudais diários, se tivesse assumido definitivamente o conceito de caudais ecológicos.”
“O regime de caudais ecológicos, que pretendemos ver implementados definitivamente, são aqueles que verdadeiramente permitem a conservação dos ecossistemas e o bom estado ecológico das águas e que, sendo instantâneos e contínuos, evitam por essa via a enorme volatilidade de caudais que hoje se verifica e que prejudica os ecossistemas, as atividades económicas e o usufruto do rio pelas populações”, diz ainda o movimento
Apesar de a ministra assegurar que os acordos com Espanha dão “prioridade à componente ecológica” da gestão dos rios, até agora, as associações ambientalistas receberam apenas o silêncio do Governo. Por isso, o Movimento proTEJO pede ainda a Maria da Graça Carvalho que aproveite a janela temporal até à assinatura do acordo definitivo, a 23 de outubro, para ouvir as associações ambientalistas que assinaram a carta aberta.