João Cruz Ferreira - 2 out. 10:47
O imperativo moral do Ocidente
O imperativo moral do Ocidente
Nós, cristãos, não partilhamos apenas uma história com o povo hebraico. Somos, ambos, produtos dessa mesma história....
Desde a terra bíblica de Israel, passando pelo Antigo Testamento, pelo monoteísmo, por um profeta judeu e pelos Dez Mandamentos, a nossa ligação espiritual e cultural com Israel é profunda e intrínseca. Dois milénios mais tarde, a perseguição racial mais horrenda da história, que culminou com o extermínio de 6 milhões de judeus europeus, veio reforçar o vínculo de amizade entre o Ocidente e o povo judeu, que se transformou numa parceria estratégica e num compromisso comum com a segurança e os valores democráticos.
Contudo, a opressão dos judeus não começou nem terminou com a Shoah. Desde 587 AC, quando invasores da Babilónia incendiaram Jerusalém e destruíram o Templo de Salomão, que o povo judeu anseia por um regresso pacífico à sua terra. Desde o dia da sua fundação, em 1948, Israel tem lutado diariamente pela sua sobrevivência, tanto militar como diplomaticamente. Após três grandes guerras, Israel conseguiu pacificar as relações com alguns vizinhos árabes, como o Egipto, a Jordânia e, mais recentemente, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrain, por intermédio dos Acordos de Abraão de 2020. No entanto, cerca de 15% dos membros da ONU ainda não reconhecem formalmente o estado de Israel, com o Irão a encabeçar o bloco de inimigos. Para o regime iraniano, Israel é mesmo “um tumor que deve ser removido”.
É neste contexto que Israel se vê envolvido num conflito existencial com o Irão e os seus proxies: o Hamas a sul, o Hezbollah a norte, os Houthis no Iémen e várias milícias xiitas no Iraque e na Síria. A população do norte de Israel está, há praticamente um ano, refém do Hezbollah, um adversário de muito maior calibre do que o Hamas, com o seu arsenal de 150 mil rockets e entre 50 a 100 mil combatentes. Estamos a falar de comunidades pacatas, sem alvos militares, que enfrentam ataques contínuos de mísseis dirigidos intencionalmente contra áreas residenciais (e, ao contrário das Forças de Defesa de Israel, o Hezbollah não emite avisos prévios), em crimes de guerra claros como a água. Assim, o direito de defesa de Israel torna-se num dever. Ao resistir, o estado hebraico mais não faz do que exercer o seu direito soberano à existência. O objetivo da incursão terrestre lançada por Israel não será, desta feita, a derrota operacional e logística do Hezbollah, mas sim a criação de uma “zona tampão” que afaste o alcance da artilharia do grupo armado xiita das áreas civis israelitas. Haverá baixas a lamentar, em particular israelitas, mas a resposta de Israel é claramente proporcional face à ameaça que enfrenta: a extinção. Neutralizar esta ameaça não é uma opção; resta saber se Israel contará com o apoio dos seus aliados ocidentais.
A estratégia do Hamas, com o massacre de 7 de Outubro e o rapto de 251 pessoas, foi atrair Israel para uma guerra urbana de alta intensidade em Gaza - de onde Israel saiu em 2005 sem qualquer intenção de regressar -, com vista a infligir o número suficiente de baixas civis palestinianas, através de táticas de escudo humano, para isolar Israel internacionalmente. O plano colheu alguns frutos. Hoje, há eurodeputados a pedir a suspensão do Acordo de Associação entre a UE e Israel. Inúmeros aliados, como o Canadá, Reino Unido, Bélgica, Holanda ou Itália, suspenderam envios de armamento e munições. Os governos irlandês, espanhol e noruegês foram mais longe e reconheceram unJoilateralmente o estado da Palestina, pasme-se, não por intermédio de uma solução trabalhada de dois estados, mas como resposta à ofensiva em Gaza. Macron multiplicou os pedidos de tréguas, sempre em termos desfavoráveis a Israel. Borrel fez pior e desdobrou-se publicamente em tiradas antisemitas. Até os EUA, eterno aliado de Israel, começaram a colocar fortes entraves e condições ao seu apoio, culminando em ameaças públicas acerca da operação militar em Rafah. Muitos destes atores, por ocasião da Assembleia Geral da ONU, apressaram-se já a apresentar moções de cessar-fogo imediatas quanto à incursão terrestre no sul do Líbano, rotulando Israel como um agressor, ignorando que do seu lado está o direito internacional, como comprova a Resolução 1701 do Conselho de Segurança da ONU, que exige a desmilitarização de zonas transfronteiriças, algo que as forças do Hezbollah ignoram há 18 anos.
Esta pressão sobre Israel não pode ser ignorada. Israel depende fortemente dos seus aliados para continuar a sua luta pela sobrevivência em várias frentes, incluindo no abastecimento da sua defesa antiaérea, que se revelou crucial para evitar milhares de mortes face à chuva de mísseis iranianos. A UE é o seu maior parceiro comercial. Os fabricantes de drones que fornecem a sua tecnologia às forças armadas israelitas, por exemplo, receberam fundos do programa Horizon Europe. Israel é, há muito, o maior beneficiário cumulativo de ajuda externa dos EUA, onde obtém 70% do seu armamento e munições. Arrisco-me a dizer que cada dia que passa com condenações, boicotes e embargos sobre Israel e sem uma equivalente pressão económica, consular e diplomática sobre o Irão e restantes patronos dos terroristas, do Qatar à Turquia, da Síria à Rússia, enfraquece muito a posição de Israel neste conflito.
Cumpre recordar que um estado de Israel forte não garante apenas um crucial equilíbrio geoestratégico numa reigão altamente imprevisível, mas simboliza a resistência ao obscurantismo e ao extremismo islâmico que vitimiza inocentes pelo mundo fora. Recordemos que foi o Hezbollah o responsável pelos atentados de Beirute em 1983 e de Buenos Aires em 1992 e 1994, que custaram a vida a centenas de americanos e argentinos. Neste sentido, Israel está na linha da frente deste conflito de civilizações, a lutar por nós, pela liberdade e pela democracia. A defesa de Israel, um dos berços históricos da civilização ocidental e a única democracia funcional do Médio Oriente, é também a defesa daquilo que o próprio Ocidente representa. Reafirmar o nosso apoio a Israel é reafirmar o compromisso com os princípios que norteiam a ordem internacional de Vestefália, confirmados em Viena e em Versalhes e consolidados no mundo ocidental pós-Guerra Fria: soberania, autodeterminação, integridade territorial, paz pela diplomacia e segurança coletiva.