expresso.ptJorge Rodrigues - 2 out. 07:02

Os cinco mitos de Gaza

Os cinco mitos de Gaza

“Todos têm direito à sua própria opinião, mas não aos seus próprios factos!” – Schlesinger

Pela primeira vez na sua história, a 7 de outubro de 2023, Israel foi sujeito a um ataque surpresa perpetrado por um grupo militante e não por forças militares. A penetração da fronteira Sul de Israel fez disparar os níveis de insegurança sentidos, transformando a vida de palestinianos e israelitas, e com impacto geopolítico global.

Às dificuldades reais do conflito, junta-se um ambiente mediático de narrativas extremadas, desinformação e mitos, úteis às respetivas operações de informação, e que poderão vir a marcar o futuro e as próximas gerações. Torna-se essencial analisar alguns desses mitos, contribuindo para uma análise pragmática do conflito.

A guerra justifica-se pela História. Os acontecimentos dos últimos 12 meses não estão desalinhados com o passado. Há, de facto, razões e momentos que, pela sua desumanidade, atendem ambas as narrativas. Mas saber quem chegou primeiro à região ou a eterna espiral de vinganças não pode justificar a continuação desta “Guerra dos 100 anos” (Khalidi). É essencial inverter este ciclo de violência e retirar força às narrativas belicistas.

Não é um conflito existencial. Não será justo equivaler os dois povos, tal a diferença histórica, ameaças e situação em que se encontram, mas ambos têm razões para recear o seu adversário. Quando os palestinianos analisam as intenções do atual governo israelita, concluem que, sem a comunidade internacional, haveria a probabilidade de serem expulsos da Palestina. As ações militares em Gaza e os colonatos na Cisjordânia ajudam a reforçar esse receio. Já Israel, considerando a diminuta população e profundidade estratégica, está particularmente vulnerável a ataques – preocupação reforçada pelas permanentes agressões do Eixo de Resistência e pelas proclamações ativistas: From the river to the sea, Palestine will be free. Israel fica com a ideia que sem a proteção das armas já teria sido destruída.

Netanyahu apenas procura a sobrevivência política. O poder é um desejo, mas as razões serão mais profundas. Existem early signals evidentes, como mapas de “Grande Israel”, apresentados na ONU, promovendo um “novo Médio Oriente mais estável”. O desígnio de “defender os interesses de Israel” é logicamente interpretado como ameaça pelos palestinianos.

É apenas um conflito local. O The Economist apresentou recentemente os cenários de evolução do conflito – e em todos eles identificamos um elevado impacto registado na economia mundial. A disrupção das redes do comércio internacional, a dificuldade de acesso à energia produzida na região e os custos acrescidos pela utilização da rota do Cabo são as consequências mais evidentes para a economia internacional, já a sentir os efeitos da “desglobalização”. No plano de segurança há dois vetores de risco muito elevado. Apesar de se manter um conflito de intensidade limitada, exige-se um cuidado Risk Management, de forma a controlar uma eventual escalada, vertical ou horizontal, de consequências incalculáveis, nesta “Guerra das Sete Frentes”. Por outro lado, Gaza tem alimentado uma motivação terrorista anti-Ocidental, o que irá impactar na segurança interna na Europa e Estados-Unidos.

Solução imediata de dois Estados. Embora ideal, sofre de várias enfermidades, desde logo quem a iria impor? O sistema político internacional encontra-se em desequilíbrio e competição, sem atores com capacidade para assegurarem uma reconhecida e eficaz mediação. Que território? O atual governo israelita dificilmente retirará dos colonatos da Cisjordânia e da Buffer-zone e Corredor de Filadélfia em Gaza – que considera essenciais para a sua segurança. Quem o governaria? Apenas Barghouti é consensual, mas dificilmente pode ser considerado, e a Autoridade Palestiniana, agora mais credível, está longe de se impor. Há condições para um cessar-fogo imediato? Com as partes convictas que podem alcançar os seus objetivos políticos, ainda não foi atingido o necessário equilíbrio estratégico – contudo, será aqui que, por primazia humanitária, a diplomacia internacional se deve concentrar.

Paradoxalmente, os traumas recentes, vividos por palestinianos e israelitas, demonstraram tanto a necessidade urgente de uma solução de dois Estados como a impossibilidade de a estabelecer a curto prazo.

A tragédia deste conflito é que o problema não surge de uma paranóia injustificada, mas sim de uma análise sólida da situação, e de cada lado conhecer muito bem as suas próprias intenções e fantasias (Y. Harari). É tempo de resolver e não apenas gerir o conflito, assumindo que as soluções imediatas são improváveis, pelo que será essencial apostar em processos sólidos (mas ágeis), apoiados por uma forte e unida comunidade internacional.

NewsItem [
pubDate=2024-10-02 08:02:48.0
, url=https://expresso.pt/opiniao/2024-10-02-os-cinco-mitos-de-gaza-eafa0a97
, host=expresso.pt
, wordCount=703
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2024_10_02_1319340744_os-cinco-mitos-de-gaza
, topics=[opinião]
, sections=[opiniao]
, score=0.000000]