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Instituições de ensino superior e a questão palestiniana: o silêncio dos cúmplices

Instituições de ensino superior e a questão palestiniana: o silêncio dos cúmplices

Silêncio e conversa fiada traduzem uma escolha hipócrita e cúmplice com o terrorismo assassino israelita.

Já não há palavras para descrever o horror e a chacina. Milhares de vidas destruídas, corpos carbonizados, esmagados, explodidos, mutilados. Ninguém está a salvo. A barbárie e o terror prosseguem, ao ritmo mecânico e científico que é ditado, tantas vezes com requintes de malvadez, pelo Estado de Israel. Acumulam-se as violações do direito internacional, das leis da guerra, de convenções e tratados. Os direitos humanos são terraplanados e a impunidade cresce. Impotente, a Organização das Nações Unidas (ONU) fica exposta ao ridículo. Ultrapassadas que estão discussões bizantinas sobre se aquilo que Israel faz é uma limpeza étnica ou um genocídio, parece existir consenso quanto à necessidade de pôr cobro a uma situação de absoluta calamidade humanitária. Décadas de ocupação e brutalidade, gerações e gerações de palestinianos sujeitos a um regime de apartheid, à opressão e à crueldade de um Estado terrorista – Israel.

É tempo de fazer escolhas. Como diria o historiador norte-americano Howard Zinn, não podemos ser neutros num comboio em movimento. Diante do massacre ficar em silêncio é ser cúmplice. E tem sido esta a escolha das instituições de ensino superior em Portugal. Escolheram o silêncio quando povos solidários de todo o mundo saíram à rua. Fizeram-no quando houve mobilização de jovens nas universidades e quando a Fenprof e os seus sindicatos instaram à ação. Quando circularam abaixos-assinados e petições. Depois de divulgados inúmeros relatórios produzidos por Francesca Albanese, relatora especial das Nações Unidas para os territórios palestinianos, e do Tribunal Internacional de Justiça ter considerado ilegal a ocupação israelita do território palestiniano.

As nossas universidades e politécnicos escolhem também o silêncio depois de a Assembleia Geral da ONU, já em setembro, ter aprovado uma resolução que, entre outras coisas, exige a retirada das forças militares israelitas dos territórios ocupados, o fim das ocupações, o desmantelamento dos muros que cercam a Palestina e fazem da Gaza a maior prisão a céu aberto da atualidade, o fim das discriminações contra palestinianos, a devolução das terras, das propriedades e bens roubados desde 1967 e, para alcançar estes objetivos, insta a comunidade internacional a não reconhecer a legalidade da ocupação, não apoiar nem assistir a presença de Israel nos territórios ocupados, a abster-se de desenvolver relações comerciais, económicas e académicas com Israel, cancelando ou suspendendo as existentes, a aplicar sanções contra quaisquer entidades relacionadas com a manutenção da presença ilegal de Israel na Palestina ocupada.

Quando tudo arde, nas universidades e politécnicos portugueses reina o silêncio. E o desconhecimento não é desculpa: leia-se, por exemplo, Towers of Ivory and Steel: How Israeli Universities Deny Palestinian Freedom (2024) de Maya Wind, ou a recente denúncia feita pelo Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente acerca da cumplicidade das universidades israelitas com o genocídio em curso. Por isso, são muitas as instituições de ensino superior por esse mundo fora que já suspenderam as acordos e parcerias com instituições israelitas, para além de terem reforçado o apoio a estudantes palestinianos. Da Irlanda, da Noruega, do Reino Unido, do Canadá e até dos Estados Unidos chegam-nos bons exemplos. Por cá, nada.

Mas não fez melhor o Conselho dos Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) quando, em maio de 2024, se pronunciou sobre esta matéria. Como foi noticiado pela imprensa, o seu presidente declarou que “as instituições de ensino superior são espaços multiculturais, e as suas comunidades académicas têm origem em mais de uma centena e países" e “continuarão empenhadas na construção de um ambiente de trabalho caracterizado pela integração e pela inclusão, essencial para a construção de um espaço europeu de ensino e investigação aberto ao mundo”, rematando com a seguinte tirada: “a paz e o direito internacional serão sempre defendidos, sendo condenados os atos de terrorismo, discursos de ódio, islamofobia e qualquer forma de discriminação racional, religiosa ou outra”. Magníficas platitudes. Um celestial tratado de nulidade e inconsequência. Mera manobra de diversão. Quanto ao Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), sobre esta matéria, encontra-se perdido em parte incerta.

Mesmo aqui ao lado, pelo contrário, a Conferência dos Reitores das Universidades Espanholas (CRUE), que representa 77 universidades, anunciou a revisão e eventual suspensão de acordos com faculdades e centros de investigação israelitas que não manifestassem um compromisso firme a favor da paz e do respeito pelo direito internacional, bem como a intensificação das relações com instituições palestinianas.

Sabemos que há investimentos e projetos de investigação em curso, candidaturas em elaboração, equipas consolidadas há vários anos, todas as vantagens da partilha e circulação do conhecimento e as aprendizagens resultantes destas sempre enriquecedoras experiências de internacionalização. Há isto, aquilo e aqueloutro. Haverá sempre formas de justificar o injustificável e quem escolhe a resignação, a subserviência e o “modo funcionário de viver”. E depois há a integridade e o espírito humanista sobre o qual se fundaram as universidades enquanto instrumentos fundamentais de elevação cultural, científica e civilizacional.

Seria bom que as instituições de ensino superior portuguesas e/ou o CRUP e o CCISP tomassem medidas firmes e consequentes e abandonassem a sua tão confortável quanto falaciosa posição de equidistância e neutralidade

Quase 12 meses volvidos desde o início da barbárie, seria bom que as instituições de ensino superior portuguesas e/ou o CRUP e o CCISP tomassem medidas firmes e consequentes e abandonassem a sua tão confortável quanto falaciosa posição de equidistância e neutralidade. Que tivessem a dignidade de abandonar a inação.

Não se trata de levar a cabo nenhuma caça às bruxas nem de fomentar atitudes persecutórias. Apenas e só de fazer o que é decente e justo. Afinal, de que valem tanto talento e tanta excelência, tanto mérito e tanta competitividade, se não sobra nas instituições de ensino superior o mais pequeno vestígio de humanidade?

Contra o ódio e a crueldade, contra o silêncio dos cúmplices, contra a douta cobardia. Palestina vencerá.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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