Henrique Burnay - 1 out. 07:13
Draghi ma non troppo: os dias seguintes do Relatório para mudar a União Europeia
Draghi ma non troppo: os dias seguintes do Relatório para mudar a União Europeia
Depois da apresentação do Relatório Draghi, começam as dúvidas, as discussões, as queixas e os sinais de que os Estados membros, como sempre, só querem mais União Europeia quando lhes interessa ou necessitam. E não abdicam dos seus interesses. É a Europa
O primeiro problema do relatório Draghi é a sua necessidade. O segundo é a sua existência. O terceiro e o quarto são as contradições e as guerras que vai gerar.
O relatório é o reconhecimento de que a União Europeia, que fala de competitividade, emprego e inovação há décadas, continua a ficar constantemente para trás perante Estados Unidos e China. Em Março de 2000, durante uma das presidências portuguesas da União Europeia, foi aprovada a Agenda de Lisboa. A ambição era valente (da Wikipédia): “O Conselho Europeu de Lisboa (…) marcou o objectivo estratégico de converter a economia da União Europeia «na economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo, antes de 2010, capaz de um crescimento económico duradouro acompanhado por uma melhoria quantitativa e qualitativa do emprego e uma maior coesão social». Passados 24 anos, se não fossêmos as vítimas da inconsequência da estratégia, teria graça. Assim, não tem. Pelo menos segundo Mario Draghi, que considera que se não se puser em prática o que está no seu relatório, a Europa entrará “em lenta agonia”.
O primeiro problema do Relatório é, portanto, ser sequer necessário. E ser encessário porque os anteriores relatórios, estratégias e planos não tiveram sucesso. O segundo problema é o relatório existir. Isto é, a mera ideia de que a competitividade da União Europeia é uma coisa que um perito, ouvindo algumas dezenas de partes interessadas ou conhecedoras, mas manifestamente não todas - ao que parece a Europa Central e de Leste não foi escutada - ao fim de vários meses de estudo, reunião, ponderação e produção pode desenhar assim um caminho para o futuro da União Europeia é um reconhecimento de que os processos políticos normais, as eleições, as Instituições, não são capazes de o fazer. E, além disso, apresenta a competitividade de uma economia como uma coisa que se desenha a partir do centro político. Uma visão um tudo ou nada estatista e dirigista, convenhamos. Mas aceitemos a necessidade e utilidade do exerício. E depois? Depois, começam os outros problemas. Já começaram.
Poucos dias depois de ser apresentado o Relatório, vinte Estados membros da União Europeia, incluindo Portugal e a Alemanha, mas onde não está França, Itália ou Espanha (o que é revelador) produziram um non-paper, uma coisa muito europeia, onde sinalizam que a conclusão dos relatórios Draghi e Letta (este apresentado em Abril) tem de implicar o reforço do mercado interno, não o contrário. Isto é importante porque, mesmo sem o dizer expressamente, a discussão em que estes Estados estão a entrar é uma que vai ser das mais importantes em Bruxelas nos próximos anos. A saber: para que as empresas europeias sejam competitivas é necessário facilitar a criação de “campeões europeus” em certos sectores e indústrias, mesmo que isso implique uma menor concorrência no mercado interno? E, quebrando as regras da concorrência, podemos permitir que isso seja feito com dinheiro público nacional? Se sim, quem tiver orçamentos maiores e empresas potencialmente mais internacionais tem vantagem e direito a ser apoiado. E talvez o seja com dinheiros europeus, porque a opção de auxílios estatais para estimular investimentos trasnfroteiriços é defendida por Draghi e isso pode ser uma forma de fazer financiar esses projectos com dinheiro da Europa. E,imagina-se sem grande dificuldade, a maior parte de projectos assim vão envolver os países maiores, não os mais pequenos e periféricos. E é só por isso que a Alemanha também assinou o documento. Porque parte do governo alemão não gosta de subsídios públicos, e quase todos não querem subsídios europeus para as empresas de outros Estados membros.
Mas o problema não é só o dinheiro. É a protecção das indústrias nacionais. Uma coisa muito anti-europeia, excepto se for em alguns Estados. Um exemplo recente. A possibilidade de um grande banco italiano, o UniCredit, comprar uma parte significativa de um grande banco alemão, o Commerzbank, criou uma séria irritação oficial em Berlim, respostas do governo de Roma e levou a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, a dizer que as consolidações bancárias transeuropeias são boas, mesmo que sejam os alemães a ser comprados. Lagarde não disse exactamente isto, mas foi isto que quis dizer.
Outro exemplo. Pouco depois do relatório Draghi ser publicado, o Minsitro luxemburguês das finanças veio criticar algumas das medidas sugeridas pelo ex-presidente do BCE, nomeadamente as que têm que ver com… os sistema bancário e financeiro, claro. Um tema sensível no Grão-Ducado. Gilles Roth, o ministro, antecipou que o Luxemburgo não gosta da ideia da supervisão centralizada dos mercados de capitais europeus, por parte da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados e da criação de uma jurisdição separada para os bancos europeus com atividades transfronteiriças significativas, como Draghi sugeriu e que deverá ser parte do mandato de Maria Luís Albuquerque.
Ou seja, o que Draghi propõe não é completamente novo, não é necessariamente bom e não vai acontecer só porque está no Relatório, se os Estados membros não quiserem. Nada de novo, portanto.