observador.ptObservador - 1 out. 00:18

Cheira a eleições

Cheira a eleições

Ainda não é uma inevitabilidade, mas a probabilidade de o país ir a votos no início de 2025 é cada vez mais elevada. São eleições que aparentemente ninguém quer, mas que ninguém está a travar.

A domingueira guerra de comunicados já antecipava dificuldades, mas a reunião da última sexta-feira veio confirmar: Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro têm muito pouca vontade e margem para se entenderem. O PS só aceita viabilizar o Orçamento do Estado para 2025 se o Governo abdicar de duas medidas-bandeira (o IRS Jovem e a descida IRC). Já o Governo aceita modelar as medidas, mas nunca eliminá-las, como exigem os socialistas. Ambos dizem estar muito interessados em negociar, mas palavras leva-as o vento. E, nesta nova brisa, cheira a eleições.

Vamos, então, às palavras. Pedro Nuno Santos já diz com as letras todas e sem receios: prefere perder eleições do que abdicar das convicções. Esquecendo a rima fácil, a segunda parte da frase tem sido uma das linhas de argumentação do PS. O líder do PS considera que descer o IRC de forma transversal e o IRS Jovem fere as convicções socialistas.

É difícil entender que estas duas medidas sejam uma matéria de convicções que lesem a matriz ideológica do PS, uma vez que o partido já teve um líder (António José Seguro) que fechou um acordo com o PSD para uma baixa de IRC que até ia levar o imposto a um valor mais baixo. Ou, no caso do IRS Jovem, um outro líder do PS (António Costa) — também como forma de incentivo a que os jovens se fixassem no país — permitiu que os escalões mais altos fossem incluídos. Através do Programa Regressar, aprovado em Conselho de Ministros também pelo ministro Pedro Nuno Santos, o jogador Pepe (longe de integrar o rol dos que mais necessitam) teve um desconto de IRS de 50% em 2019. E este é só um exemplo.

Percebe-se que um partido que tenha a palavra “socialista” no nome e se assuma como “social-democrata” queira deixar de fora de reduções fiscais a “quem não precisa” ou àqueles que considera “ricos” (os escalões mais altos). Mas, na verdade, neste caso, não se tratam apenas de convicções políticas do partido, mas de opções políticas do seu líder atual.

Luís Montenegro quer aumentar salários, mas considera que a melhor forma de o conseguir é baixando o IRC para tornar as empresas, todas elas, mais competitivas. Pedro Nuno Santos quer aumentar salários, mas considera que a melhor forma de o fazer passa por aumentar a majoração das empresas que pagam acima do que está na contratação coletiva e investir na capitalização das empresas. São, simplesmente, duas visões diferentes.

Assumindo, mesmo assim, que se tratam de convicções ideológicas inegociáveis dos partidos, alguém teria sempre de ceder. Pedro Nuno Santos, mesmo tendo menos votos nas eleições e sendo oposição, considera que deve ser o Governo a dar o braço a torcer. Montenegro, precisamente por estar nessa posição, considera que não deve abdicar destas medidas, pois estaria a optar por executar a visão (e o programa) do segundo partido mais votado. Qualquer um dos dois teria de explicar ao respetivo eleitorado a cedência — e não seria fácil.

Goradas as primeiras conversas, o caminho inelutável é cada vez mais a realização de eleições antecipadas. A personalidade de Pedro Nuno Santos é diferente da de outros líderes da oposição que viabilizaram orçamentos (Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Passos Coelho ou António José Seguro — no caso com uma “abstenção violenta”, mas não decisiva). Não vai por isso, certamente, recuar no que já disse. Luís Montenegro ainda tem margem para adiar o IRS Jovem para outras núpcias e fazer um desenho diferente no IRC (veremos que sinais dá no acordo de concertação social assinado esta terça-feira de manhã). O primeiro-ministro teria (terá?) sempre o pretexto de que não ter orçamento significa não ter estas medidas e perder outras igualmente importantes. Logo, seria melhor preservar o que é possível e manter a imagem e credibilidade externa do país. E, já agora, que fica no Governo até março de 2026. Mas será, sempre, difícil de justificar a mudança de posição.

Entretanto, Marcelo (e Montenegro) já afastaram o cenário de governação em duodécimos. A apresentação de um segundo Orçamento do Estado quando o primeiro ainda nem sequer foi desenhado, parece do domínio da ficção científica. Sobra o Chega de André Ventura, que, para já, deixou cair o “irrevogável” voto contra — e sem exigir tornar-se vice-primeiro-ministro. Ventura pode, em breve, ficar com o poder de ir para eleições na mão sendo imprevisível, como é sempre, o que fará em cada momento.

Somando todos os acontecimentos dos últimos dias, a probabilidade de novas eleições (Marcelo já pode dissolver a AR desde 10 de setembro) é a mais elevada desde que começou a legislatura. Ainda não é uma inevitabilidade, mas a probabilidade de o país ir a votos no início de 2025 é cada vez mais elevada. São eleições que aparentemente ninguém quer, mas que está efetivamente a travar. Pelo menos, com atos. Porque, palavras, até sobram.

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