Observador - 1 out. 00:22
O Orçamento ou jogando a “quem tem medo de eleições?”
O Orçamento ou jogando a “quem tem medo de eleições?”
O PS tem de ter consciência que a sua contra-proposta é inaceitável para o Governo. O que querem então os socialistas?
Pedro Nuno Santos sabe que é impossível Luís Montenegro aceitar a sua contra-proposta, apresentada na sexta-feira dia 27 de setembro logo após a reunião com o primeiro-ministro. A duas propostas de redução de impostos apresentadas pelo Governo contrapôs uma de aumento de despesa e outra de redução da tributação com condições. Se no caso da segunda o Governo tinha margem política para aceitar – e Hugo Soares chegou a dizê-lo em Julho – no caso da segunda, a do IRS Jovem, por muito criticável que este seja, estamos a falar de uma perspetiva oposta à do Governo, ao querer aumentar a despesa pública com algumas escolhas até bastante discutíveis.
É verdade que quem está em minoria tem de negociar. Foi assim que António Costa fez com a designada Geringonça. Mas nunca saiu daquela que era a sua matriz, mesmo a negociar com partidos que numa primeira fase exigiam a renegociação da dívida ou nacionalizações. Foram os partidos da oposição, o PCP e o BE, que se aproximaram das posições do PS, com os socialistas a cederem aqui e ali, mas sempre numa lógica de distribuir as margens orçamentais que se iam gerando. Vemos hoje como essa política demasiado inclinada para o aumento da despesa temporária, com a distribuição de cheques, sacrificou o investimento público de manutenção. Mas disso já muito falámos por aqui, esperando apenas que não se repita.
Foi assim também quando Marcelo Rebelo de Sousa foi líder do PSD e António Guterres era primeiro-ministro sem maioria. Não se percebe aliás porque não optou Pedro Nuno Santos pelo modelo de Rebelo de Sousa na altura, em que viabilizou os orçamentos sem que isso o impedisse de fazer oposição. E sem andar a fazer negociações e a estabelecer “linhas vermelhas” na praça pública.
Já conhecíamos as “linhas vermelhas” de Pedro Nuno Santos. O que não sabíamos é que eram mais do que fronteiras, eram uma oposição absoluta à estratégia que o Governo tem. E isso ficou especialmente claro no caso do IRS Jovem, quando o substitui a perda de receita por aumento de despesa. Mas já lá vamos.
No IRC seria relativamente fácil chegar a consenso. O próprio Governo, em concertação social, está a profundar o modelo herdado do anterior executivo. Uma das propostas que fez, na reunião de quarta-feira 25 de setembro, foi reforçar a majoração de 50% dos encargos com aumentos salariais mínimos de 4,7%, passando o limite de quatro para cinco vezes o salário mínimo, ainda que deixando cair a condição de não se alargar o leque salarial.
O que Pedro Nuno Santos propõe, exatamente para o mesmo tema, é uma majoração superior, de 100% dos custos com aumentos salariais acima do previsto em Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho. Como se vê, em matéria de condicionar a redução do IRC aos aumentos salariais as posições estão muito próximas. E o mesmo se podia dizer relativamente ao reforço do incentivo à capitalização das empresas que o PS propõe.
Ou seja, os socialistas estão abertos a reforçar os mecanismos que reduzem o IRC para quem aumenta salários e capitaliza as suas empresas. Se existisse boa vontade, sentavam-se à mesa e tentavam desenhar uma medida que alargasse os beneficiários da descida de IRC, aproximando-se mais um do outro.
Essa aproximação teria ainda a ganhar com o facto de existirem já números sobre um desses incentivos: o do aumento salarial. De acordo com dados divulgados pelo Jornal de Negócios, com informação das Finanças, o incentivo à valorização salarial chegou apenas a 513 empresas (menos de 0,1% das 562 mil empresas que apresentaram declaração de IRC) e teve uma despesa fiscal de 6,7 milhões de euros, quando o Governo de António Costa apontava 75 milhões de euros para mais de 500 mil empresas. A falta de abertura para negociar é aqui ainda mais absurda quando verificamos que uma dessas medidas de redução seletiva do IRC se revelou muito pouco eficiente. Mas a ideia parece ser iluminar a divisão e não olhar para as medidas, avaliá-las e verificar as que são melhores para os objetivos.
Mas é no IRS Jovem que o PS fez questão de criar uma diferença, em relação à AD, que em boa parte é artificial. Primeiro porque existe já um IRS Jovem aprovado pelo Governo de António Costa, o que mostra que os socialistas não estão assim tão afastados do modelo. Sim, a proposta da AD eleva para um patamar mais elevado o IRS Jovem, num modelo com muitos problemas como aqui já se analisou na semana passada. Mas o facto de o PS ter aprovado um modelo semelhante poderia ter criado aqui margem para negociar e até corrigir os excessos da proposta do Governo. Pedro Nuno Santos não quis.
Em segundo lugar é criada uma diferença artificial porque a proposta de mais despesa pública não resolve um dos problemas levantados por Pedro Nuno Santos em relação ao IRS Jovem: a dificuldade em reverter a medida. Será mais fácil reverter, ou seja, cortar a despesa que o PS propõe? Qual delas? A do aumento das pensões? A dotação para aumentos salariais dos médicos que queiram a exclusividade? Ou o investimento em habitação no montante de 500 milhões de euros por ano? O que o PS propõe é um aumento de despesa que, com exceção do investimento em habitação, seria impossível de reverter, tornando-se permanente, tudo aquilo que não é recomendável num orçamento já de si com gastos difíceis de reduzir.
Em face disto é legitimo concluir que Pedro Nuno Santos desenhou uma contra-proposta para não viabilizar o Orçamento para 2025. As razões, quer se queira quer não, são políticas. O PS está convencido que só consegue ser oposição e ganhar de novo eleições se empurrar o PSD para o Chega. E pode até estar convencido que é melhor irmos de novo a eleições
Miguel Poiares Maduro na RTP e Paulo Portas na CNN identificaram o que estamos a viver como o clássico jogo do prisioneiro, uma situação de informação imperfeita em que o resultado acaba por ser o pior para todas as partes. Será seguramente o pior para os portugueses se formos de novo para eleições, parando mais uma vez o país, em pouco mais de seis meses, numa altura em que podíamos estar a aproveitar as vantagens competitivas que o actual quadro político e económico global nos oferece. Ou Pedro Nuno Santos pode estar a dar de bandeja ao Chega a possibilidade de ser o adulto na sala, viabilizando o Orçamento, sendo legítimo admitir que estamos perante mais uma tentativa dos socialistas de esvaziarem o PSD através do partido de André Ventura.
Mais do que uma negociação sobre as contas públicas de 2025 aquilo a que estamos lamentavelmente a assistir é ao jogo de “quem tem medo de eleições?”. E se for assim, ninguém vai querer mostrar medo.