jornaldenegocios.pt - 18 set. 12:30
Comer o que se planta na varanda
Comer o que se planta na varanda
Depois das hortas comunitárias chegou a vez das hortas em casa. Há cada vez mais pessoas a comerem o que produzem, uma forma de saberem o que ingerem, de serem mais sustentáveis e de, simultaneamente, promoverem a saúde mental.
A consciência pelo saudável é uma tendência que veio para ficar. Isso nota-se no aumento da procura por produtos biológicos. Assim como pelos terrenos cultivados que, desde há alguns anos, invadiram algumas cidades portuguesas. Mas, por um lado, os terrenos são limitados e, por outro, nem todas as pessoas têm possibilidade de os trabalhar. Começaram então a surgir as hortas em casa: pequenos vasos com ervas aromáticas ou pequenos frutos/legumes, colocados na cozinha, na varanda... no espaço disponível.
“Quanto mais as pessoas se relacionarem com o ciclo das plantas, com as suas necessidades e desafios, principalmente com a produção de alimentos, mais cidadãos conscientes teremos na sociedade disponíveis para entender a complexidade do setor agrícola e dos sistemas alimentares”, afirma Filipa Silva, da Associação Ambientalista Zero. A ambientalista afirma mesmo que ter uma horta em casa, além de trazer benefícios para a saúde física e mental das pessoas, contribui para a valorização dos alimentos e leva a que as pessoas queiram consumir produtos saudáveis, da época. Permite ainda que saibam mais sobre a origem dos alimentos e métodos de produção.
Margarida Silva, investigadora do Centro de Biotecnologia e Química Fina da Universidade Católica Portuguesa e docente da Escola Superior de Biotecnologia Católica do Porto, acrescenta que jardinar cria valor em todos os formatos e circunstâncias de vida. E lembra que o nível de sustentabilidade depende das opções na hora da implementação. “O ideal passa por empregar recipientes reutilizados, adubar com composto feito a partir dos próprios restos da cozinha e usar sementes tradicionais (as que podem ser trocadas livremente, sem híbridos nem proteção de propriedade intelectual)”, aponta.
Opinião partilhada por Luís Almeida Capão, presidente da Cascais Ambiente, que refere que as hortas em casa são uma medida sustentável se tiverem formas racionais de utilização de água, recorrerem a práticas biológicas de cultivo dos alimentos e se promoverem a biodiversidade e a reciclagem dos resíduos orgânicos. O autarca afirma que a Cascais Ambiente incentiva os “munícipes a usarem quintais, terraços e varandas para a produção de vegetais sempre que possível, mas com esta ideia de poupança de recursos naturais e de promoção das espécies alimentares adaptadas ao clima local, sempre como base”.
As vantagens – para além da alimentação – passam por “contribuir para o bem-estar do planeta”, refere Filipa Silva, que acrescenta que “quantas mais pessoas se alimentarem de hortas em casa ou próximas, menos alimentos são adquiridos em supermercados que representam muitas penalizações para o planeta: mais transportes, mais emissões, mais embalagens, mais desperdício alimentar e mais custos para todos”. A isto Luís Almeida Capão acrescenta que as hortas biológicas em casa são uma fonte de alimentação saudável e saborosa. O responsável pela Cascais Ambiente lembra que comer alimentos cultivados pelas próprias pessoas é potencialmente mais saudável porque, à partida, se come cada fruto no ponto máximo do seu valor nutricional. E que essa mesma atitude torna, provavelmente, as pessoas mais felizes. “Todos os nossos hortelãos relatam a alegria que sentem ao ver crescer uma colheita que cuidam”, reflete Luís Capão.
Além de tudo isto há ainda que contar com a componente da saúde. Como aponta Margarida Silva, num mundo onde quase todos nos sentimos impotentes perante o mal e a desgraça, a opção de jardinar é uma verdadeira opção de soberania e recaptura do direito a decidir sobre um capítulo fundamental da existência humana. A docente da Universidade Católica reconhece que uma horta urbana não permite cobrir todas as necessidades alimentares de uma família, ou mesmo de uma pessoa. No entanto, acrescenta, “está amplamente demonstrado que beneficia a saúde física e mental, a qualidade nutricional das refeições e ainda abre a porta à criação de laços comunitários de companheirismo e solidariedade”.
Vantagens para a cidade
“Com a criação de hortas urbanas às vantagens individuais acrescem as mais-valias coletivas: captação de gases com efeito de estufa, amortecimento do ruído, redução do volume de resíduos sólidos urbanos, promoção da biodiversidade e suavização dos picos de temperatura. As hortas também criam oportunidades pedagógicas junto dos mais jovens (e dos jovens há mais tempo)”, esclarece Margarida Silva.
Na mesma linha Filipa Silva lembra que quanto mais plantas e solo disponível houver em meio urbano, maior a captação de carbono da atmosfera, reduzindo-se a acumulação de gases de efeito estufa que contribuem para o efeito de aquecimento. “A relação solo-plantas ajuda ainda a reduzir a temperatura através do efeito de evapotranspiração, em que água é libertada para a atmosfera arrefecendo o ar. Em hortas onde existem árvores além de hortícolas maior será este efeito”, explica a ambientalista.
Luís Almeida Capão aponta para outro pormenor: “se compararmos uma varanda com plantas decorativas e uma varanda com hortelã, tomateiros e morangueiros plantados, vamos ter provavelmente, uma prevalência maior de pequenos insetos na horta”. Segundo o responsável, “a presença destes espaços verdes em meio urbano vai também contribuir para o aumento da humidade, da frescura e para a diminuição das ilhas de calor nas cidades”. “Além disso, hortas nos quintais servem como locais para a infiltração eficaz da água e contribuem de uma forma geral para a melhoria das condições climáticas locais.”
Na prática, e na opinião do responsável da Cascais Ambiente, as hortas em casa funcionam como complemento das hortas comunitárias. Sendo que, como reflete Margarida Silva “as hortas são desejáveis em todos os formatos”. A professora da Católica considera que quem vive numa casa com varandas ou quintal pode usufruir de uma horta à saída da porta. Quem mora num espaço sem esse potencial fica dependente da criação de hortas coletivas e por vezes de uma longa fila de espera. “No limite todos conseguem ter hortelã à janela. Basta um vaso para começar”, constata.
Por onde começar e o que plantar
Quando questionados por quais culturas que mais se adaptam às hortas em casa as opiniões divergem. Luís Almeida Capão considera que as alfaces pela facilidade de cultivo e rapidez de crescimento. A estas acrescenta os tomates, as cenouras e os morangos porque “têm um sabor absolutamente distinto daquilo que estamos habituados se compramos os alimentos apenas no supermercado”.
Já Margarida Silva, embora refira que a adequação depende muito da exposição solar, refere que o preferível é cultivar verdes que se comem crus: coentros, alface, canónigos, agrião de jardim, rúcula, cebolinho... são ervas que só “se colhem na hora de preparar a refeição e quando chegam ao nosso prato parece que ainda estão vivos (e estão, de facto). Vitalidade garantida!”. Ah... e apostar em rabanetes. Porque “crescem num ápice, são deliciosos e aproveita-se tanto o nabinho como as folhas”.
A ambientalista Filipa Silva, por seu lado, refere que num apartamento as plantas mais simples de cultivar são as que necessitam de vasos mais pequenos e menos sensíveis como as aromáticas (alecrim, tomilho, coentros, salsa, manjericão) rúcula, alfaces, rabanetes, espinafres e acelgas. Havendo mais espaço a sugestão da ambientalista vai para o cultivo do tomate, pimento, beringela ou mesmo pepino. Independentemente da escolha “as melhores culturas a nível de sustentabilidade são aquelas que, quem cuida da horta mais consome”.
Quanto à questão de por onde começar a resposta de Filipa Silva é imediata: o local mais adequado deve ter em conta, por um lado a exposição solar (deve ser superior a 4h de luz direta por dia – quanto mais melhor), assim como assegurar a proteção do vento e frio. Depois é comprar as plântulas ou sementes e começar o processo de germinação. Para isso há que ter o vaso adequado à semente em causa e ter o cuidado de preparar o solo. Depois da plantação há que acompanhar as plantas e adicionar nutrientes ao substrato ao longo dos vários ciclos de plantas. Para quem gosta de ler manuais ou necessita de mais informações Luís Almeida Capão lembra que a Cascais Ambiente tem no seu site (Ambientecascais.pt) vídeos de formação para hortas construir hortas em casa, assim como o Manual das Hortas Comunitárias, “onde passo a passo e de forma simples tem todas as indicações de como fazer a sua horta”.
Cascais Ambiente Beneficia a saúde física e mental, a qualidade nutricional das refeições e cria laços comunitários. Margarida Silva
Docente da Católica