jornaldenegocios.pt - 18 set. 13:30
Raúl André: Governo “devia dificultar, fiscalizar mais e ser mais proativo” nas baixas por doença
Raúl André: Governo “devia dificultar, fiscalizar mais e ser mais proativo” nas baixas por doença
A possibilidade de se justificar faltas até três dias com um documento emitido pelo SNS gera “uma desorganização diária imensa” nas empresas, diz o diretor-geral da Smurfit Westrock Portugal, que atua no setor do papel e embalagens.
Começou a sua vida profissional com 19 anos, quando se estreou com um negócio de venda de embalagens de cartão no Porto. A empresa expandiu-se, transformou-se numa indústria e foi comprada pela Smurfit onde hoje é diretor-geral. Acumula esse cargo em Portugal com a responsabilidade operacional da região atlântica, que inclui as fábricas da Galiza da Smurfit Westrock, um grupo global de produção de papel e embalagens, presente em 40 países, com 600 fábricas, cerca de cem mil pessoas e uma faturação de 32 mil milhões de dólares.
Raúl André é o convidado das “Conversas com CEO” integradas no Negócios Sustentabilidade 20|30. Numa entrevista de mais de meia hora, que pode ser ouvida na íntegra em podcast, compara o trabalho cá e em Espanha – os espanhóis são mais reivindicativos. A construção de um centro logístico e a participação numa comunidade de energia solar, que poderá permitir dar aos colaboradores eletricidade mais barata ou gratuita, são dois dos projetos para Portugal.
Fez o seu negócio muito novo e vendeu-o. O que o levou a entrar no setor das embalagens?
Entrei no mercado da embalagem quando estudava e tinha amigos com negócios na área. Vi também o exemplo do meu pai que era empresário e sempre tive o bichinho de ganhar o meu dinheiro. Aos 19 anos iniciei um negócio de venda de embalagens de cartão. Aos 21 comprei o primeiro pavilhão, depois um segundo, um terceiro e vários. E passou de uma pequena empresa comercial para uma indústria, onde transformava prancha de cartão, que comprava à Smurfit de Espanha. Em 95 tive uma proposta de compra da Smurfit e aceitei. E em 1998 a Smurfit comprou outra operação maior em Portugal, em São Paio de Oleiros, e convidou-me para diretor de produção. E assumi a direção-geral em 2001 deste megagrupo de embalagem.
Desde 2022 tem responsabilidades nas fábricas da Galiza. É fácil trabalhar com Espanha?
Muito fácil. Apesar de sermos um grupo global, há culturas e formas de atuar diferentes, maneiras de pensar diferentes. Têm outro tipo de abordagem ao mercado e no trabalho. São criativos como nós, mas são mais reivindicativos.
Nós somos mais conformistas?
Mais conformistas, mais acomodados. O espanhol tende a reclamar. Mas diariamente é muito pacífico, simples e fácil.
O que diferencia a Smurfit dos outros concorrentes e qual é a vantagem competitiva de Portugal?
Em Portugal produzimos embalagem através da prancha de cartão e fazemos a recuperação de papel velho. O negócio da Sorpel é mais de publicidade nos hipermercados, em feiras. E a vantagem da Smurfit são as pessoas. As máquinas são todas iguais, as políticas seguidas pelas multinacionais são idênticas, o preço das matérias-primas anda dentro da mesma esfera. A diferenciação está nas pessoas.
Como comparam os salários em Portugal e Espanha?
Em algumas áreas são mais baixos [em Portugal]. Mas na maior parte das áreas não é bem assim, porque temos planos de incentivos, não pagamos salário mínimo e temos prémios de produtividade.
As fábricas portuguesas são menos produtivas para que os salários sejam mais baixos?
Não. Não temos nada de menos produtivos. Há muito boas empresas que o demonstram.
Então porque é que os salários são mais baixos? Como é que compreende isso?
Não é entendível. São as políticas dos governos e que muitas vezes não são corretas. Na Smurfit criamos condições para valorizar o trabalho, temos máquinas produtivas, programas constantes de formação contínua. Uma das falhas que existe é que há muita gente que vai ao médico e pede baixa. Nas nossas duas zonas, Vila do Conde e São Paio de Oleiros, existe muita falta de mão de obra, desde sempre. São concelhos com muita indústria. Mas também as políticas dos vários governos afetam o trabalho diário e a falta de mão de obra.
Quais as políticas que prejudicam a existência de pessoas disponíveis para trabalhar?
Há uma nova política nas baixas [por doença] em que cada pessoa pode solicitar a baixa. Para as empresas isso implica uma desorganização diária imensa.
Mas as pessoas podem estar doentes.
Podem. Mas isso acarreta também muita gente que não está.
Há casos em que as pessoas não estão doentes?
Sim, há bastantes.
O Governo devia dificultar um pouco mais essas baixas?
Devia dificultar, fiscalizar mais e ser mais proativo. Por exemplo, temos duas pessoas numa máquina, se falta uma arranjamos uma solução, mas se nos faltam 10, já é complicado. E temos de entregar a mercadoria, temos de produzir. Ou, por exemplo, o delegado sindical que tem direito, por mês, ou à sexta ou à segunda, um dia de descanso, para fazer trabalho sindical, mas acontece que 4 ou 5 vezes por mês não está presente. E as empresas têm de se adaptar a isso.
Mas o principal problema é a facilidade com que hoje se pode ter uma baixa?
É um dos principais problemas. Haverá outros, como a política de salários baixos. Muitas das empresas pagam salários baixos porque não têm condições. E as pessoas têm tendência, quando o tempo está bom, a começar a ir à praia.
A vossa taxa de absentismo é muito elevada, é isso?
A nossa taxa de absentismo anda nos 6%, mais ou menos. Comparando com o mercado, está na média. Mas deveria estar mais baixa. Nos 2% a 3% era o ideal.
Papel e cartão, em princípio, é mais amigo do ambiente. Mas tem impacto na desflorestação. Como o minimizam?
Temos vários objetivos ambientais para 2050, que na maioria dos casos em 2023 já foram atingidos. Plantamos cinco árvores pelo abate de cada uma. E fazemos a reutilização das embalagens, tentamos minimizar os desperdícios e coordenar com os clientes a melhor embalagem.
Qual a matéria-prima virgem que ainda precisam?
Precisamos de 20% a 30%, seguramente. Ainda é elevada. O nosso objetivo é ter uma taxa cada vez menor de abate de árvores. Mas precisaremos sempre de papel novo. O abate de árvores é inevitável. Por exemplo, para o setor alimentar temos de ter papéis que não sejam nocivos no contacto com o produto. E isso, em alguns papéis reciclados, não é possível.
Mas já entram no mercado dos plásticos, expulsando-os?
Sim. Sempre existiu uma guerra entre as petrolíferas, que normalmente controlam os plásticos, e os papeleiros. Mas, nos últimos 20 a 30 anos tem-se assistido a um crescimento brutal na área do papel. Substituímos o plástico em muitas áreas. Na agricultura, por exemplo, as caixas eram todas em madeira ou plástico e foi tudo substituído por caixas de cartão, tal como os sacos dos hipermercados.
E é possível ir mais longe, na substituição do plástico no retalho alimentar?
É. A fábrica em São Paio de Oleiros está há muitos anos certificada para área alimentar, inclusive para contacto direto com alimentos. O nosso portefólio principal é o setor alimentar, onde temos grandes clientes. Já temos bandejas em cartão que substituem as de esferovite ou plástico [na carne ou no peixe]. Quando se diz contacto direto nos alimentos significa que utilizamos papel que tem total segurança alimentar. Somos certificados pela AIB International, uma entidade americana muito exigente.
Que efeitos terá o regulamento europeu de desflorestação?
O regulamento vai sair até finais de 2024, para entrar em vigor em 2025. Vamos estar dentro dos parâmetros exigentes da normativa que vai melhorar o ambiente.
Impede a aquisição de pasta ou de matéria-prima…
…De bosques que não sejam certificados. Mas isso, no nosso grupo, já não existe: 99% de todo o nosso papel vem de bosques florestais em que a cadeia de custódia está totalmente certificada. Já cumprimos com todas as regras.
E como têm gerido o problema da água?
Fazemos análises hídricas para que o nosso consumo de água não afete as populações vizinhas. É um ponto de honra. Em São Paio de Oleiros, toda a água que utilizamos vai para a nossa ETAR e é reutilizada para a limpeza das máquinas, por exemplo. E estamos a trabalhar para verificar se essa água pode ser consumida, o que pode acontecer, diria, nos próximos dois a três anos. Tudo depende do pacote de investimentos para a nossa empresa.
Já têm painéis solares em todas as instalações?
Não temos em todas as instalações. Temos feito investimentos brutais. O grupo investiu cerca de mil milhões em todo o mundo, nos últimos dois anos, para racionalizar a energia nas fábricas, desde painéis fotovoltaicos a eólica e hídricas. Em Portugal, temos um projeto para instalação de painéis fotovoltaicos que deve avançar no próximo ano. Entretanto, temos aplicado políticas de racionalização dos equipamentos a nível geral.
Com tantos incentivos, porque não aproveitaram os vossos telhados para produzir energia?
A política no grupo Smurfit é diferente em termos dos investimentos. O grupo faz muito centralmente e com capitais próprios. A maioria das 20 fábricas que temos na Ibéria já tem painéis solares. Tem sido um passo de cada vez.
Em Portugal podem constituir um bairro solar…
Sim. Estamos a trabalhar com a indústria corticeira, no nosso concelho, para sermos um dos parceiros de uma comunidade de energia. Uma das medidas que queremos adotar é dar aos nossos trabalhadores acesso à energia mais barata ou até sem custo, para as suas habitações, dado que a maioria vive na parte circundante da fábrica. Temos à volta de 200 trabalhadores.
Qual é seu o maior desafio?
É conseguir que nós, apesar de não termos em Portugal a liderança, sejamos interpretados no mercado como líderes porque somos os que mais satisfaz o cliente. E garantir os nossos postos de trabalho, a nossa sustentabilidade.
E para o ano o que é que gostava de ver em Portugal?
Gostava de ver em Portugal a concretização dos projetos que temos na calha. Nomeadamente o centro logístico para dar o melhor serviço aos nossos clientes. Já temos o terreno e vamos fazer a construção, junto à nossa fábrica, com a introdução de novas máquinas. Trabalho com uma equipa excelente há muitos anos e conheço-os a todos muito bem, almoçamos todos os dias e há ali uma grande empatia. Temos um ginásio, temos uma horta cooperativa. Também tenho uma parte da horta, dez metros quadrados que tenho de fazer a gestão, cada um faz a sua. As máquinas são todas iguais, a diferenciação é a parte humana, é o que dita tudo. Se estivermos satisfeitos, é meio caminho andado para o sucesso.