publico@publico.pt - 6 set. 06:47
O acesso ao direito — direito de todos os cidadãos
O acesso ao direito — direito de todos os cidadãos
Não nos esqueçamos que onde falhar a representação por advogado, falha o Estado de Direito. E quando falha o Estado de Direito, começa a barbárie.
I
Não estando inscrito no regime do Acesso ao Direito, por limitação do meu quotidiano profissional, mas tendo praticado o patrocínio oficioso no passado e esperando fazê-lo no futuro, sou solidário com todos os advogados que o fazem e são pagos de forma absolutamente vergonhosa — como, sempre que posso, denuncio.
Com efeito, o Estado português conseguiu um feito absolutamente extraordinário e, ao mesmo tempo, indigno: há quase 20 anos que assegura o Direito Fundamental de defesa dos seus cidadãos, recorrendo a advogados, sem lhes reconhecer o direito a ver a tabela remuneratória ser aumentada.
A actualização da tabela remuneratória do patrocínio oficioso torna-se, assim, absolutamente essencial, como temos assumido, sendo um problema político que deve se resolvido com a máxima urgência: os advogados, ao exercerem o patrocínio oficioso, cumprem o dever constitucional do Estado de assegurar protecção jurídica a todos os cidadãos!
Como temos afirmado, o Estado de Direito precisa de advogadas e advogados livres e autónomos, no pleno exercício do seu mandato, sem limites ou amarras que não as da Constituição. Criar um corpo de advogados de patrocínio judiciários, pagando-lhes indignamente, servirá, apenas, para adensar a nébula sobre o acesso à Justiça.
A actualização da tabela remuneratória do patrocínio oficioso torna-se, assim, absolutamente essencial, como temos assumido, sendo um problema político que deve se resolvido com a máxima urgência
Não compreender este problema, negar a existência de um problema social, é virar as costas a quem vive para defender, a quem se dedica a assegurar a que todos tenham a sua defesa, a sua protecção.
Apesar do estado das coisas, tenho as mais sérias dúvidas sobre um protesto que leve os advogados a não assegurarem a representação de cidadãos por via do patrocínio judiciário — seja em escalas, seja em processos, por por dois motivos distintos:
- Se um protesto desta natureza resultar, podemos estar perante uma “quase greve” de profissão liberal, que pode — e vai — afectar os beneficiários do “Direito à Justiça”, enfim, os particulares/cidadãos que mais necessitam e que não têm meios para contratar Advogado;
- Se não resultar, será um autêntico tiro no pé de uma reivindicação justa e que deve ser levada em diante, colocando o ónus na Ordem dos Advogados e podendo, maximizando-se a questão, retirar da sua órbita o patrocínio oficioso, o que seria desastroso para todos, em especial para os cidadãos.
No fundo, a questão é esta: se falharem os advogados, quem assumirá o Direito Fundamental dos cidadãos a que lhes seja assegurada defesa?
Não tenhamos qualquer dúvida: uma coisa é identificar os problemas, as causas e as consequências. Outra, bem diferente, é saber como resolver um problema que se eterniza.
A grande questão não é a advocacia por si. É, isso sim, a advocacia como profissão que, em primeira linha, defende os Direitos Fundamentais dos cidadãos.
II
Nestes precisos termos, manter a defesa dos cidadãos na órbita da advocacia, por via do patrocínio judiciário assegurado por advogadas e advogados, actualizando a tabela de honorários, é um dos deveres do Estados, que urge consagrar.
Não precisava de repetir, nesta sede, o que tenho dito abundantemente: se à dvocacia incumbe o dever de defesa de todos os cidadãos, as advogadas e advogados não podem deixar resvalar este tema para “fora da profissão”.
E com isto sou claro no que afirmo: se o artigo 3.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, no âmbito das atribuições da associação pública, dispõe que, em primeira linha, deve “a) defender o Estado de Direito e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e colaborar na administração da justiça; b) assegurar o acesso ao direito, nos termos da Constituição;”, nem a Ordem, nem os Aadvogados, nem o poder político podem, por qualquer forma, limitar, impedir e/restringir que o acesso à Justiça seja assegurado a todos os cidadãos, em todos os momentos, sendo defendidos por advogadas e advogados!
O que nos traz ao essencial do que se defende: a não actualização das tabelas de honorários viola a Constituição, quer pela lesão dos direitos dos profissionais do foro, que devem prestar os seus serviços com a dignidade socio-económica que se impõe, vendo valorizadas as suas carreiras, quer pela violação do direito de acesso ao direito/direito à defesa dos cidadãos, que devem ser representados por profissionais valorizados, respeitados e que possam, briosamente, encabeçar as atribuições que lhe são impostas, só o podendo fazer se devida e justamente remunerados!
Mais uma vez se acaba um texto como se podia ter começado: não nos esqueçamos que onde falhar a representação por advogado, falha o Estado de Direito. E quando falha o Estado de Direito, começa a barbárie.