Francisca Costa - 5 set. 23:04
Quem cala consente
Quem cala consente
Opinião de Francisca Costa
O governo tem mantido um silêncio estratégico relativamente aos tópicos mais polémicos na esperança de que, ao não se pronunciar, esses assuntos não serão discutidos ou comentados. Esta última semana não foi exceção, tendo o governo deliberadamente ignorado o ataque israelita aos enviados da RTP na Cisjordânia.
A incoerência na comunicação política por parte do executivo é clara: por um lado bombardeia o espaço mediático com medidas que quer anunciar em tempo recorde; por outro, esquiva-se do debate público quando a violação de direitos humanos e verdadeiros bombardeamentos acontecem.
É sabido que o genocídio em Gaza e o reconhecimento da Palestina não são questões consensuais no continente europeu, apesar de serem cada vez mais consensuais na política internacional fora do ocidente.
Dos 193 países que fazem parte das Nações Unidas, 143 reconheceram a Palestina enquanto Estado, estando a maior parte dos países europeus, incluindo Portugal, posicionados do lado errado da história.
Ainda antes do ataque de 7 de outubro, que intensificou a ocupação israelita na Palestina, organizações como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch já tinham alertado para os crimes de apartheid praticados por Israel. Já em julho de 2024, o Tribunal de Justiça Internacional considerou ilegal a presença israelita em territórios palestinianos. Esta decisão poderia ter sido a oportunidade perfeita para o governo se posicionar a favor dos Direitos Humanos mas mesmo assim, manteve-se em silêncio.
Não fosse suficientemente grave esta falta de posicionamento político ao nível internacional, na última semana o silêncio do governo tornou-se ainda mais alarmante. Na tentativa de fazer a cobertura mediática dos acontecimentos no Médio Oriente, o carro dos enviados da RTP foi alvo de tiros israelitas no território da Cisjordânia. Previsivelmente, o governo atuou mais uma vez da forma que nos tem habituado, mesmo sabendo que estiveram em risco cidadãos portugueses e a televisão pública que o próprio governo representa.
Este silêncio torna-se ensurdecedor, representando uma desresponsabilização e manipulação do debate público, centrado nos assuntos que mais convêm politicamente. Ao evitar pronunciar-se sobre temas polémicos, o governo tenta desviar a atenção abafando discussões que exigem respostas incómodas e de verdadeira coragem política digna da democracia que representa.
A expressão "quem cala consente" é perfeitamente ilustrativa deste posicionamento. O executivo está a consentir e a ser cúmplice de crimes contra a Humanidade, atentados aos Direitos Humanos e até mesmo a ataques direcionados aos cidadãos que deveria proteger. Embora possamos reconhecer que a política externa portuguesa enfrenta dilemas complexos, especialmente devido a pressões diplomáticas europeias e interesses económicos, há momentos em que o silêncio é uma escolha moralmente insustentável. Manter-se neutro ou omisso face a estas questões não representa apenas uma falha política, mas um fracasso ético.
E assim o governo persiste, de silêncio em silêncio até que os holofotes mediáticos se concentrem apenas naquilo que mais lhe convém. Fecha os olhos a um genocídio que perdura há décadas e que todos os dias é noticiado. Ao evitar agir ou pronunciar-se, torna-se não apenas um espectador passivo, como também cúmplice de uma sucessão de acontecimentos que, à medida que o tempo passa, se tornarão cada vez mais impossíveis de justificar.
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