publico@publico.pt - 4 set. 07:41
Cheque-psicólogo: porque não para todos os níveis de ensino?
Cheque-psicólogo: porque não para todos os níveis de ensino?
É crucial perceber que dados fundamentaram a decisão de focar esta medida apenas nos/as estudantes do ensino superior. Porque não foram outros níveis de ensino incluídos?
A medida cheque-psicólogo proporciona o acesso a cuidados de saúde mental para estudantes das instituições de ensino superior (IES). O financiamento, por parte do Governo, de 1,5 milhões de euros em 2024 e de 3,75 milhões de euros em 2025 demonstra um compromisso significativo com a saúde mental dos/as estudantes e reflete a importância crescente deste tema para a concretização de políticas públicas.
Sobretudo após a pandemia de covid-19, o número de pedidos de apoio psicológico nas IES aumentou significativamente, tendo os/as estudantes que aguardar, por vezes, cinco meses por uma consulta. É por isso inegável que esta medida facilita o acesso a serviços de saúde psicológica para estudantes que, de outra forma, poderiam enfrentar barreiras financeiras ou logísticas para aceder aos mesmos. Igualmente, permitir que escolham livremente um/a psicólogo/a a partir de uma lista nacional, aumenta a probabilidade de encontrar um/a terapeuta com quem sintam segurança e que atenda às suas necessidades específicas.
Contudo, é crucial perceber que dados fundamentaram a decisão de focar esta medida apenas nos/as estudantes do ensino superior. Porque não foram outros níveis de ensino incluídos, dado que as crianças e os/as adolescentes também enfrentam desafios significativos de saúde mental?
Um artigo sobre saúde mental juvenil, publicado, no passado dia 13 de agosto, pela comissão de psiquiatria da revista científica The Lancet, revela que as doenças mentais têm o seu pico de início aos 15 anos e reforça a importância da intervenção precoce. Realça ainda que a área de estudos focada na saúde mental juvenil se centra em jovens com idades compreendidas entre os 12 e os 25 anos: assinala esse período de vida adulta emergente como mais útil, em termos de ponto de corte, do que a habitual divisão do atendimento aos 18 anos, o que nos conduz à necessidade de rever a forma como organizamos as respostas neste âmbito, sobretudo sabendo que estas devem ser sensíveis às mudanças biológicas, cognitivas, sociais e culturais específicas dessa faixa etária.
Focarem-se apenas nos estudantes das IES pode, inadvertidamente, deixar de fora grupos igualmente vulneráveis, como alunos/as do ensino básico e secundário. Sendo diretor de um serviço de psicologia, recebo todos os meses centenas de pedidos de consultas para crianças e jovens. A resposta é insuficiente e os tempos de espera longos. Qual a razão de esta população não ter acesso a esta medida, dada a inegável importância da intervenção focada na prevenção? Talvez a vertente económica seja a justificação, mas sabemos que a intervenção precoce aporta melhor ajustamento psicológico dos indivíduos ao longo do ciclo vital.
Outra questão pertinente é perceber o que acontece no final das 12 sessões previstas: que garantia de continuidade do acompanhamento ou follow-up está prevista? Haverá rutura da relação terapêutica, se verificada a necessidade de manter o acompanhamento? Como garantimos a dimensão ética e deontológica de “não abandonar” aquela pessoa? Sabemos que, com os recursos atuais, não conseguiremos acolher estas eventuais situações e, portanto, surge a necessária reflexão sobre a integração das respostas.
A eficácia dos cheques-psicólogo sairá reforçada se integrada com outros serviços de apoio oferecidos pelas IES e pelas respostas da comunidade — habitualmente pouco exploradas — além das existentes nas IES e na saúde. Uma abordagem integrada e sistémica proporciona um suporte mais holístico a cada estudante, num planeamento integrado, com uma rede de respostas com conexões efetivas entre os seus interlocutores. Evita-se assim a replicação dos apoios, mas, sobretudo promove-se a equidade de acesso aos serviços de psicologia.
Por fim, é importante prever mecanismos de monitorização e avaliação para medir a eficácia e o impacto destas consultas, o que não foi ainda clarificado. Só assim será possível ajustar o programa tanto quanto necessário e garantir que a melhoria da saúde psicológica é alcançada, numa lógica mais preventiva e menos remediadora.