eco.sapo.ptMarlene Gaspar - 4 set. 13:42

É difícil (re)começar?

É difícil (re)começar?

Como disse Victoria Camps “teremos de confiar nas nossas pernas: mesmo aquele que se senta no trono mais elevado não deixa de estar sentado sobre o seu rabo”. Mexam-se, pela vossa saúde.

É.

“Acordei antes dos outros, antes dos pássaros, antes do Sol. Bebi uma caneca de café, engoli à pressa uma torrada, vesti uns calções e uma camisola e apertei os atacadores das minhas sapatilhas de corrida verdes. Depois, esgueirei-me silenciosamente pela porta das traseiras.

Alonguei as pernas, a região lombar e gemi, enquanto dava os primeiros passos obstinados pela estrada fria, no meio do nevoeiro. Porque razão é sempre tão difícil começar?

Não havia carros, pessoas ou sinais de vida. Estava só e tinha o mundo inteiro para mim, embora as árvores parecessem ter uma invulgar perceção da minha presença”.

É assim que Philip Knight, fundador da Nike, começa o seu livro de memórias. Numa singela homenagem, sinto que podia ter sido eu a escrever isto, adaptando a cor dos ténis. Foi mais ou menos assim que comecei a correr, quando vivemos naquela (distante) época que designamos pandemia.

A saúde mental e a importância do exercício físico passaram a ser “must do” e parece que quem não faz, não cuida, ou não gosta, ou não quer, não merece o ar que respira.

O Manuel sugeriu-me abordar este tema. Não viro a cara a um desafio de alguém da minha equipa, embora devido aos meus parcos resultados a nível físico, considere a minha legitimidade para falar sobre isso duvidosa. Abordarei a visão com uma perspetiva de consultoria, para me sentir “em casa”. Apresento o meu POV (a.k.a. “ponto de vista” em linguagem de redes sociais):

Agora, que já corro há mais de 4 anos, consecutivamente, sem falhar um dia, posso dizer que o mais difícil não é correr, mas manter a consistência. Essa consistência, essa disciplina diária, é o que me leva a uma dependência saudável do exercício. No meu caso não é apenas o corpo que se fortalece (infelizmente, a este nível até acho que estou muito aquém face ao nível do meu investimento), mas principalmente a mente.

Eu odiava correr. Sempre odiei fazer desporto. Nunca tive destreza física. Não gostava, arrastava-me, sofria, mas cumpria. Os mínimos. Que nem sequer eram os mínimos olímpicos. E “odiar” não é uma palavra forte para o meu sentimento, é suave, até simpática para o esforço que me assiste. À medida que a idade avançou, a necessidade de fazer algo enalteceu. Comecei a correr. James Clear em “Hábitos Atómicos” diz que “é preciso apaixonarmo-nos pelo aborrecimento”. Quando li isto, não entendi o sentido e o alcance deste conselho. Agora, não só compreendo, como subscrevo e lamento não ser a autora do mesmo. Apaixonei-me pelo aborrecimento que sinto ao correr.

Mas o que eu mais gosto é de acabar a corrida. Porque me faz sentir melhor, mais ágil, energética e sobretudo, tira-me pressão e é onde tenho as melhores ideias. Embora seja uma espécie de lusco-fusco, porque é o prazer efémero, é o que me motiva voltar a fazer. E, ao invés de olhar para o meu corpo e ficar frustrada e deprimida (assumo que continuo ligeiramente frustrada, mas não deprimida) optei por uma postura pragmática – se estou como estou com todo este esforço, como estaria sem ele? E essa forma de pensar, faz muita diferença. O exercício torna-se uma rotina necessária, um pilar fundamental para uma vida equilibrada e saudável.

O exercício físico é uma tarefa árdua e começar é duro. Acaba por se transformar num escape, um momento de introspeção e equilíbrio mental. E manter isso de forma sistemática é ainda mais exigente.

A disciplina é a chave para manter este equilíbrio. Não se trata apenas de atingir metas físicas, mas de criar um hábito que nos fortalece mentalmente.

Só que a c@br#$na da rotina e da disciplina não entusiasma ninguém. Pelo contrário. Surpreendeu-me, mas entendo o André Agassi, quando assumiu que detesta jogar ténis, detesta-o com todo o seu coração, mas mesmo assim continuou a jogar, continuou a bater bolas toda a manhã e toda a tarde, porque não tinha escolha. É como me sinto, não tenho escolha. Se não cumprir esta tarefa, não me vou sentir bem.

Quando nos comprometemos com uma prática regular de exercício físico estamos a treinar o nosso cérebro para associar essa rotina ao bem-estar. Esta consistência é reconfortante, porque independentemente das circunstâncias, mantemos o nosso compromisso que acalma a mente, criando uma sensação de controlo e segurança. Então em vez de ver a disciplina como “corta-tesão”, encaro-a como adrenalina para alcançar clareza e serenidade. Uns dias corre melhor que outros; uns dias também corro melhor que outros.

Durante as minhas corridas matinais, enquanto luto contra a vontade de desistir, lembro-me que no dia que deixar de fazer uma vez, vou ter desculpas para não fazer outras tantas. E, porque é que tenho tanto medo de (re)começar? Porque um hábito demora tempo, exige esforço e eu não sou disciplinada para ser indisciplinada.

Com a legitimidade que agora tenho devido à consistência do hábito, 1645 dias ininterruptos – reconheço e abraço a minha rotina que permite que o meu corpo e mente se desenvolvam em harmonia.

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