Henrique Raposo - 4 set. 15:32
Sim, não há portugueses
Sim, não há portugueses
Somos um país de filhos únicos desde os anos 90 ou, pelo menos, desde a viragem do século. E agora essa geração de filhos únicos chega ao mercado de trabalho e, naturalmente, não consegue ocupar a maioria dos postos de trabalho
Vale a pena voltar ao tema, porque há demasiada gente em negação, e um colunista existe para apontar o dedo aos ângulos cegos da sociedade.
Quando vêem todos os sítios cheios de empregados estrangeiros, muitos reagem com uma crítica implícita: " mas o que estão a fazer os portugueses para ganhar a vida?". A crítica aqui sugere que muitos portugueses, mesmo humildes e sem estudos, recusam trabalhos considerados de baixa condição. Sucede que esta discussão, que vai dar aos nem nem ( nem estudam nem trabalham) é muito antiga, vem desde os anos 90. Sim, podemos criticar uma espécie de aristocratização dos pobres que se julgam demasiado finos para certos trabalhos (algo que escandaliza o velho ethos operário), mas também temos de falar da destruição cultural e económica da classe operária desde os anos 90, que foi conduzida pelas elites. O ponto aqui é que este tema não é novo e não explica a sensação de "invasão" do trabalhador estrangeiro dos últimos anos.
A explicação é outra: somos um país de filhos únicos desde os anos 90 ou, pelo menos, desde a viragem do século. E agora essa geração de filhos únicos chega ao mercado de trabalho e, naturalmente, não consegue ocupar a maioria dos postos de trabalho. Estou em Itália, um país demograficamente muito parecido e, em consequência, vemos a mesma situação: boa parte dos empregados dos restaurantes tipicamente italianos ou das lojas são do subcontinente indiano ou de África. Não há "teoria de substituição", isto não é programado por agendas esquerdistas. É a realidade mais simples e orgânica: estes imigrantes chegam para ocupar um espaço que está literal e demograficamente vazio.
Quando comecei a escrever neste jornal, há mais de 15 anos, sempre defendi políticas de família e natalidade, por um lado, e sempre salientei que havia um desprezo social pelos trabalhos ditos braçais. Por essa razão, fui apelidado de "fascista", por um lado, ou de "neoliberal", por outro. Agora é tarde. É assim nas sociedades cheias de tabus que impedem a discussão só ângulo cego.