dinheirovivo.pt - 21 nov. 13:10
Qual é a real importância do Conselho de Estado? Nenhuma!
Qual é a real importância do Conselho de Estado? Nenhuma!
Há sempre uma dimensão pessoal no exercício do poder. As mesmas instituições, com poucas variações constitucionais ao longo dos anos, foram mudando o seu protagonismo mais devido ao perfil do seu titular do que pelos poderes que estão atribuídos.
Tivemos diferentes formas de exercício do poder. Soares e Sampaio foram diametralmente opostos no exercício da Presidência da República. Eanes, com a perda de poderes ao longo dos dois mandatos, também foi diferente de todos os outros. Cavaco foi um Presidente distante, muito diferente de um Marcelo que até escovou o cabelo de uma cabeleireira. Cada um foi gerindo os seus poderes em consonância com o seu perfil pessoal e a conjuntura que foi tendo durante os mandatos.
O mesmo se passou também com os primeiros-ministros, se bem que aqui há a questão das maiorias absolutas (que como dizia o saudoso professor Adriano Moreira, podem transformar o nosso sistema semipresidencialista, que na realidade deveria ser chamado de semiparlamentarista, num sistema tipo presidencial na figura do primeiro-ministro).
Depende também se essas maiorias são de um único partido ou de coligação. Ou de um Governo minoritário a governar com base em acordos pontuais à direita e à esquerda. Ou com base num «acordo de incidência parlamentar». As nomenclaturas foram sendo encontradas ao longo do tempo.
Soares e Sá Carneiro, Balsemão, Barroso, Cavaco e Guterres, Sócrates ou Costa exerceram um poder legítimo e democrático de forma muito diferente. É caso para dizer que o homem, as suas características e as suas circunstâncias são uma parte decisiva da equação.
Interessante é percebermos que a existência de uma maioria pode alterar totalmente, e de forma muito relevante, o exercício do poder.
E, por isso, é que o Presidente da República deverá sempre ser eleito pela maioria dos votos expressos dos cidadãos, sendo para isso muitas vezes necessário ir à segunda volta das eleições presidenciais, porque precisa de ter consigo uma legitimidade só sua, própria, intransmissível.
O nosso sistema constitucional garante ao Presidente uma série de características que funcionam como o garante do funcionamento do nosso sistema político. E, por isso, o Presidente tem que gozar de uma legitimidade inquestionável. É uma pessoa eleita, e não um partido ou coligação, ou movimento de cidadãos. Confiamos que essa pessoa tenha a capacidade de fazer as leituras da conjuntura e ponderá-las levando em conta os sentimentos do povo, etc., etc., etc..
O nosso Presidente da República tem a chamada «bomba atómica», que é o poder de, dentro de determinadas regras temporais, dissolver o Parlamento. E isso permite-lhe ter uma capacidade política de negociação e do exercício de «uma magistratura de influência» que deverá ser usada à medida da necessidade do perfil de cada escolhido pelo Povo.
E a Constituição diz que o Presidente tem que obedecer ao seu conselho de conselheiros? A Constituição implementou um Conselho de Estado para aconselhar o Presidente da República, criou as regras para a sua composição, por forma que, sejam ouvidas as diferentes forças do sistema; mas a nossa Constituição nunca atribuiu a esse órgão poderes. Apenas estabelece que tem que ser ouvido.
Só que, simplesmente, Marcelo Rebelo de Sousa achou que precisaria de criar factos políticos que sustentassem o seu poder, que criassem formas de persuasão à sua medida sobre os partidos e o Governo; e assim, atribuiu ao seu Conselho de Estado uma relevância que de outra forma este não teria. E que não teve durante outros mandatos presidenciais. O nosso Presidente da República (depois de ouvir o Conselho de Estado), sozinho, pode decidir o que achar por bem decidir relativamente à dissolução do Parlamento, mesmo indo contra a opinião de todos os seus conselheiros.
Ouvir o Conselho de Estado tantas vezes foi também sempre uma forma de indirectamente avisar e realizar uma espécie de chantagem de que poderia equacionar a dissolução do Parlamento...
Chegou ao ponto de convidar e ter altas figuras estrangeiras a participar nestes seus Conselhos de Estado.
Marcelo usou o seu Conselho de Estado como uma forma de pressão nos momentos políticos mais críticos, fazendo dele uma espécie de «Senado da República», ou uma «Câmara dos Lordes». Terá sido por influência de ter sido investido, embora com o cargo suspenso, à Junta da Fundação da Casa de Bragança e ter sido Presidente do seu Conselho Administrativo, num cargo vitalício, mas não hereditário?
Claro que, um Conselho de Estado só consegue relevância pública e influenciar a opinião pública e publicada do país, se criar factos políticos e se existirem fugas de informação do que lá possa passar dentro. Se as suas regras de sigilo fossem respeitadas, seria inócua a sua existência para o sistema.
Assim, Marcelo, criou à sua medida um órgão novo, uma espécie de Câmara Presidencial Marcelhesa, tentando competir e/ou imiscuir-se nos poderes legítimos do Parlamento e do Governo. A criação de factos políticos é algo em que é especialista e é também por isso que foi eleito Presidente pelo povo.
Tudo isto foi meramente conjuntural, é normal, e é politicamente aceitável e certamente mudará os seus contornos na mão do próximo protagonista... Quem será ele?
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)
("Até às eleições" é o mote para uma sequência de artigos de opinião, de segunda a sexta-feira, de Duarte Mexia (duarte.mexia@gmail.com), que serão publicados, precisamente, até à realização das próximas eleições Legislativas, marcadas para 10 de março.)