expresso.ptLeonor Canadas e Alice Gato* - 21 nov. 09:51

A justiça climática no centro do debate político: as nossas vidas dependem disso

A justiça climática no centro do debate político: as nossas vidas dependem disso

Vivemos um momento de crise política aguda, no qual as questões climáticas têm ganhado alguma atenção, embora claramente insuficiente e desfocada. O debate sobre a qual grande parte do interesse político e a sua projeção mediática se está a focar está desligado das questões fundamentais num momento de emergência planetária como nunca antes vivemos. Como é que se interpreta a atual crise política à luz da crise climática?

O mediatismo das acusações e da demissão do Governo encaminha o debate, em particular depois da intervenção de António Costa no passado dia 11, para uma dicotomia entre capitalismo verde e negacionismo climático. O primeiro é ditado pelas falsas soluções corporativistas e pela agenda de lucro das grandes empresas do sector energético, enquanto o segundo contrapõe com posições negacionistas e de que a ação climática “é cara”, alinhando a agenda conservadora com a extrema-direita. No entanto, o que sabemos sobre ciência climática e sobre a maneira como funciona o sistema capitalista é que ambas as agendas em disputa são planos para o colapso.

Um debate sobre se preferimos salvar a humanidade ou salvar o capitalismo é um debate distópico, mas nem sequer é esse o debate que está a acontecer em Portugal. De momento, a polarização acontece entre as duas facetas do capitalismo fóssil, uma foi pintada de verde e a outra é a da inação pura e dura, conhecida internacionalmente como “burn, baby, burn”. Este é o debate em que a humanidade já perdeu. É um debate inaceitável que não podemos engolir.

O discurso de António Costa no passado dia 11, no qual apelou a que os investidores não desistam de Portugal e a que os futuros governos não desistam dos investimentos rentáveis para os acionistas mas inúteis para resolver a crise climática, veio demonstrar o que há muito já sabemos: este sistema não tem qualquer plano que não seja o colapso (mas quer aproveitar os financiamento europeus destinados a manter as grandes empresas com liquidez e controlo sobre a infraestrutura pública, custe o custar).

Em conjunto, as grandes empresas e os nossos governos das últimas décadas decidiram, de forma premeditada e coordenada, levar a cabo planos que condenam milhares de pessoas à morte, através da manutenção e expansão reiterada da economia de carbono que já nos colocou num novo clima. A decisão de perpetuar este sistema e um modelo energético baseado no lucro de uma minoria parasítica é um ato de guerra contra a humanidade e contra a vida.

A influência da indústria fóssil e grandes empresas nas decisões sobre o investimento público, lobbying, “corrupção”, “tráfico de influências” ou por gestão direta através das portas giratórias são uma forma inequívoca de nunca deixar o poder fora das mãos da elite capitalista, seja quem for que governe após eleições. Há décadas que toda a política energética e de mobilidade do nosso país é ditada pelos interesses económicos das administrações e dos acionistas das grande empresas que causaram a crise climática e pelos benefícios que estas empresas oferecem a quem nos governa.

Nunca nos devemos esquecer que António Mexia, antes de ser presidente da EDP, era ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e que, antes disso, tinha sido presidente da Galp e administrador do BES. Também não devemos esquecer Ferreira do Amaral, que negociou a concessão da Ponte Vasco da Gama enquanto ministro e depois tornou-se presidente da mesma empresa, ou Jorge Coelho, que se tornou presidente da Mota-Engil depois de ser ministro das Obras Públicas. São centenas, e estão em todos os governos. São governos e empresas, qualquer que seja o seu cartão partidário.

Neste sistema, nenhum futuro governo poderá fazer o que se impõe para travar os atos de violência extrema que a crise climática representa. Nenhum partido político apresenta atualmente um plano compatível com um aumento de temperatura abaixo dos 2ºC de aquecimento global. É impossível falar de futuro quando ficamos presas nestes termos.

Quem está preocupado com a ascensão da extrema-direita, com o aumento das desigualdades sociais e com a degradação das condições de vida de quem trabalha não se pode recusar a discutir como é que vamos travar a emergência existencial a que o capitalismo nos conduz. Se o fizer, aceita que a opção é entre a agenda do colapso do capitalismo verde ou a agenda do colapso da extrema-direita.

Num mundo em degradação o capitalismo entra em autodefesa total – é isso mesmo que a ascensão da extrema direita e o fascismo significam. A reação do Chega às ocupações estudantis pelo clima é um indicador disso. Perante qualquer ameaça à sua estabilidade, o capitalismo usará sempre a garantia violenta da extrema-direita, a derradeira defesa do sistema.

O movimento pela justiça climática recusa a dicotomia da catástrofe. Não estamos destinados a ter de aceitar o colapso via agenda do capitalismo verde do centrão ou o colapso via negacionismo e autoritarismo da extrema-direita. Precisamos de uma agenda e de um programa radicalmente diferentes das referidas, com propostas alinhadas com a ciência climática e justiça social, para travar a guerra declarada à vida e construir uma verdadeira paz. Este é o programa político pelo qual temos saído à rua – e continuaremos a sair - e sobre o qual queremos abrir um debate alargado e sério na sociedade.

O momento atual exige algo que não tem valor monetário ou valor de troca: coragem. Exigimos de nós mesmas coragem para quebrar as leis - não as leis biofísicas do planeta – mas as que regem o capitalismo. Para manter a estabilidade climática da qual depende a sobrevivência da humanidade, é agora o nosso dever e direito de desobedecer a muitas das leis deste sistema suicida e ter também a coragem para imaginar outro sistema de produção e de organização social.

* ativistas do Climáximo

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