eco.sapo.pteco.sapo.pt - 21 nov. 18:24

“Seguradoras com provisões insuficientes são concorrência desleal”

“Seguradoras com provisões insuficientes são concorrência desleal”

O atuário Luis Portugal alerta para seguradoras que podem ter provisões insuficientes e com isto geram lucros indevidos e praticam preços impossíveis. Um aviso para quem certifica contas dos seguros.
Luís Portugal: “A ASF tem a vida mais difícil porque deixou de receber um relatório atuarial importante e apenas recebe as conclusões do ROC sobre as contas”.

Luís Portugal, CEO da Actuarial, empresa que fundou e com hoje trabalha para análise de riscos e atuariado para seguradoras em Portugal, Dubai e Hong Kong. É doutorado na área das provisões técnicas, trabalhou com a Associação Portuguesa de Seguradores, foi presidente do Instituto dos Atuários Portugueses e, em entrevista, avisa que as provisões para sinistros e investimentos das seguradoras portuguesas podem estar avaliadas por baixo. Em entrevista a ECOseguros, explica as causas e aponta soluções.

A ASF deixou de pedir o relatório habitual do atuário sobre as contas das seguradoras (apenas pede o da solvência). Qual a diferença entre eles? O que se perde e se ganha com a aparente menor burocracia?

Até 2016 os Atuários-Responsáveis (AR) faziam um relatório anual em que analisavam as provisões técnicas, o pricing, a gestão de ativos e passivos, a solvência, o resseguro e a projeção de resultados. Era um relatório muito completo que permitia ter uma visão global e detalhada de uma seguradora. Os Revisores Oficiais de Contas (ROC) analisavam as contas, usando para o efeito as conclusões do relatório do AR. O sistema sempre funcionou e o regulador, a ASF, recebia quer o relatório do AR, quer o relatório do ROC. Um era atuarial e o outro contabilístico. Foi assim durante muitos anos.

O que mudou e porquê?

Com a transposição da directiva Solvência II ficou estipulado que o Atuário-Responsável certificava as provisões técnicas e o risco de subscrição, mas o relatório era apenas sobre a solvência. Esse relatório é feito depois do ROC fazer a sua análise das contas. Nesta análise do ROC não há relatório atuarial sobre as provisões técnicas e demais temas como o pricing, o resseguro, a gestão de ativos e passivos e a projeção de resultados da seguradora. Isto significa que a ASF tem a vida mais difícil porque deixou de receber um relatório atuarial importante e apenas recebe as conclusões do ROC sobre as contas.

Sendo parte interessada, por que considera fundamental o relatório do atuário?

O AR é Atuário de formação e estudou muitos anos para o poder ser. É certificado pela ASF. O ROC tem uma boa formação, mas não tem formação atuarial e não está certificado pela ASF para ser Atuário. Ao ter-se limitado o relatório atuarial à solvência, deixou de haver uma certificação atuarial do provisionamento (e restantes temas) por técnicos reconhecidos como tal pela ASF. Ou seja, perdeu-se credibilidade na certificação. E, mesmo que alguns ROCs contratem Atuários para os ajudar, estes não estão certificados como o AR para este efeito.

pedir a um ROC que seja Atuário é uma violência, já que não tem formação para isso.

Considera essencial essa certificação…

Os ROC, quando querem confirmar o valor de um imóvel, baseiam-se em pareceres de especialistas independentes, que não trabalham na empresa do ROC. Se o fizessem estavam a violar a obrigação destes técnicos serem independentes. Ora, quando os ROC têm Atuários empregados para analisarem as provisões técnicas estão a violar o princípio da independência destes técnicos. Acresce que não foram certificados como o AR dessa empresa que estão a certificar. É um tema que tem de ser urgentemente revisto.

Quem beneficia mais com isso?

Quando se fala em ROC há que distinguir dois tipos de ROC. Os das “big four” de auditoria e os restantes. É com os primeiros que este problema existe, já que querem vender serviços de consultadoria atuarial quando estão a certificar as contas. Os restantes são os primeiros a reconhecer que se existe um AR externo à seguradora os seus pareceres são-lhes muito úteis, porque feitos por um Atuário certificado pela ASF. Efetivamente, pedir a um ROC que seja Atuário é uma violência, já que não tem formação para isso.

E qual tem sido a posição das seguradoras?

seguradoras que continuam a pedir ao AR um relatório de provisionamento para o âmbito das contas da seguradora. Há alguns anos que há um lobby das multinacionais da auditoria para acabar com o AR, mas vão ter de perceber que o AR existe porque os diversos stakeholders vêem valor na sua existência e em caso algum é possível ter pessoas com formação contabilística, por muito boa que seja, a fazer estudos atuariais. Já na criação do Solvência II, um técnico da supervisão de um país europeu tinha colocado nos consultations papers do CEIOPS (comité europeu de seguros e fundos de pensões), que não era preciso ser Atuário para fazer estudos atuariais…este senhor hoje está numa multinacional de auditoria…e por isso ninguém o levou a sério. Para ser médico tem de se estudar/ser certificado para médico, para ser engenheiro tem de se estudar/ser certificado para ser engenheiro, para ser ROC tem de se estudar/ser certificado para ser ROC e para ser Atuário tem de se estudar/ser certificado para ser Atuário. Acresce que o ROC não pode empregar Atuários porque se o fizer está a violar o princípio da independência. O Atuário não pode empregar ROCs porque se o fizer também está a violar o princípio da independência.

Se uma seguradora não tem as provisões corretas, gera lucros que não existem, a solvência aparece sobrestimada e os preços de venda são mais baixos do que deviam ser. É uma concorrência desleal.

Quais as consequências dessa decisão? Já se estão a verificar?

Infelizmente, já. Provisões erradamente aceites pelo ROC, por falta de conhecimento técnico atuarial, criam distorções na concorrência entre seguradoras. Para haver uma sã competição e uma salvaguarda dos interesses dos segurados e acionistas, tem de existir um provisionamento aceitável em todas as seguradoras. Se uma seguradora não tem as provisões corretas, gera lucros que não existem, a solvência aparece sobrestimada e os preços de venda são mais baixos do que deviam ser. É uma concorrência desleal. As seguradoras com provisionamentos corretos acabam por ser prejudicadas quando aparece um concorrente que tem insuficiência de provisões.

E qual a sua posição a este respeito?

É inaceitável que haja uma seguradora com insuficiência de provisionamento pelo que provoca no mercado em termos de concorrência desleal. Pior ainda quando o ROC, informado desta situação, faz o seu parecer como se não tivesse recebido esta informação. Mas, o mais desagradável é saber que quando o AR comunica uma insuficiência que é facilmente verificável, já que não há qualquer incerteza é, a meio do seu trabalho, informado da rescisão ou não renovação do seu contrato de prestação de serviços. Tanto se faz pela governação das sociedades, mas nada se faz para penalizar este tipo de situações. E ninguém garante que o conselho fiscal tenha tomado conhecimento desta aberração.

O que podem fazer os atuários?

O código de conduta dos AR não lhes permite aceitar trabalho para o qual não têm competências. Os ROC têm de fazer o mesmo e têm de usar os relatórios do AR da mesma forma como usam os dos especialistas em imóveis ou os pareceres dos Advogados. Se o AR e o ROC trabalharem em conjunto, como acontece em muitas situações, todos têm a ganhar. A situação atual não é sustentável e tem de se voltar a generalizar como relatório de reporte o relatório do AR sobre as provisões técnicas que estão nas contas das seguradoras.

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