expresso.ptJoão Garcia - 19 nov. 12:14

Uma Justiça verde, que não se pode tragar

Uma Justiça verde, que não se pode tragar

Uma Justiça verde, que não se pode tragar

Era uma vez o porta-voz de um influente partido, deputado, ex-ministro estrela de governo anterior, pessoa a quem se adivinhava grande futuro político que foi detido preventivamente, após aparatosa iniciativa judicial, durante quatro meses e meio, suspeito de hediondo crime.

Anos depois, recebeu, por decisão do Tribunal Europeu, uma indemnização de 68 mil euros, que todos nós pagámos com os nossos impostos, por se comprovar que não existira razão aceitável para a prisão.

Na altura, a decisão era fundamentada em três argumentos: fora escutado a pedir informações sobre um embaixador; sobre uma personalidade que o magistrado dizia ser homossexual; e tivera uma conversa com um interlocutor com voz masculina a que tratava por querida e a quem mandava beijinhos. Três indícios, claros de pedofilia, como se vê.

Ainda o ex-ministro permanecia encarcerado e já a imprensa tornava público que o embaixador em causa na conversa nada tinha a ver com o Processo Casa Pia e que a conversa sobre a personalidade ocorrera com um jornalista e que nada tinha a haver com questões de sexualidade. Restavam os beijinhos a uma voz masculina. Mas também rapidamente se soube que o telefonema fora com uma mulher que tem uma voz máscula.

Nem Ministério Público nem juiz se deram ao incómodo de apurarem, junto dos outros interlocutores dos telefonemas escutados, a razão das conversas e não quiseram acreditar no que se soube posteriormente.

Porém, o protagonista desta história viveu quatro meses e meio nos calabouços. Depois, passou vários anos na sombra e só muito recentemente voltou a ter discreto protagonismo politico. A vítima desta fábula chama-se Paulo Pedroso e o seu caso, embora sem pormenores, tem sido muito invocado nestes tempos mais recentes.

Durante o Processo Casa Pia muito se escreveu sobre poderes discricionários e muitas juras houve de que no final nada ficaria igual na Justiça. Se funciona mal com os mais poderosos e advogados caros, imagine-se com os que não têm voz.

A fábula não poderia terminar, evidentemente, sem uma conclusão moral: não seriam possíveis mais casos como este.

E que aconteceu? Na verdade houve três alterações: os indiciados passaram a ter acesso à prova que existe contra eles (o que fora negado a Pedroso, mas que o Constitucional tornou obrigatório, alteração determinante na libertação dos arguidos no Influencer); o juiz Rui Teixeira já foi promovido a desembargador; o magistrado João Guerra prosseguiu tranquilamente a sua carreira no Ministério Público. Os 68 mil euros foram pagos pelos do costume.

Já houve governos de direita, de esquerda, de maiorias absolutas, e o poder legislativo não mexeu uma vírgula. A alteração de carater judicial ocorreu por decisão do Tribunal Constitucional.

Neste tempo todo, apenas um político quis mexer na Justiça: Rui Rio e contra ele se ouviram vozes da direita e da esquerda em defesa da intocabilidade dos poderes das magistraturas. António Costa nem quis ouvir falar do assunto.

No entanto, agora, anda meio mundo alarmado com o “golpe de Estado” perpetrado pelos procuradores. Não foi um golpe de Estado, mas um golpe do estado a que deixaram chegar a Justiça. A falta de coragem paga-se caro.

Como muitos advogados têm defendido, está por demonstrar que os procuradores do Influencer tenham cometido ilegalidades. Fizeram o que o estado a que Justiça chegou lhes permite. Ou mesmo, impõe. Razão tem a Procuradora-Geral da República em pensar que, se não houvesse o tal parágrafo sobre António Costa, a direita estaria a acusá-la de proteger quem a propôs para o cargo. Quanto aos erros assinalados, a dúvida é se serão suficientes para garantirem … uma promoção.

A raposa desistiu das uvas, sucessivos governos também acharam que a Justiça não se pode tragar. Há cada vez mais quem assim pense.

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