Nadav Weiman - 18 nov. 23:00
Aprender com as anteriores invasões de Israel a Gaza
Aprender com as anteriores invasões de Israel a Gaza
A força, por si só, não pode proporcionar aos israelitas a segurança que merecem. Uma resolução política que aborde as raízes do conflito é a única forma de defender as fronteiras e os cidadãos de Israel
Passaram mais de cinco semanas desde o brutal ataque do Hamas a Israel. Famílias inteiras foram executadas, crianças foram massacradas, mulheres foram violadas, vítimas foram torturadas e desmembradas. Cerca de 1200 pessoas foram mortas, a maioria civis, e 240 israelitas e cidadãos de outras nacionalidades foram feitos reféns em Gaza. Desde então, o Hamas tem disparado foguetes diariamente contra cidades e vilas de Israel, enquanto Israel tem realizado bombardeamentos aéreos e de artilharia contra a Faixa de Gaza.
Em 27 de outubro, Israel iniciou a sua invasão terrestre, que ainda está em curso. De acordo com a ONU, cerca de 11.000 pessoas foram mortas na Faixa de Gaza até à data, 1,5 milhões de pessoas foram deslocadas e 45% das habitações de Gaza foram destruídas ou danificadas. Na Breaking the Silence, passámos vários anos a estudar os testemunhos de soldados que serviram em anteriores campanhas israelitas em Gaza. Olhar para trás pode ajudar-nos a ver mais claramente as escolhas que temos de fazer hoje.
Dois pilares de atuaçãoAs anteriores campanhas militares de Israel em Gaza foram conduzidas de acordo com dois princípios principais. O primeiro é por vezes referido como “risco zero para as nossas forças”. Dá a máxima prioridade à segurança dos combatentes israelitas. Isto pode parecer bastante razoável, mas o princípio também defende que os soldados devem ficar mais seguros transferindo o risco para os civis em Gaza, mesmo que estes não estejam envolvidos nas hostilidades.
O segundo princípio é conhecido como “a doutrina Dahiya”, assim chamada na sequência de um forte bombardeamento por Israel a um bairro de Beirute na Guerra do Líbano de 2006. A doutrina Dahiya defende que, num conflito assimétrico contra um ator não estatal, é possível conseguir um período de acalmia causando danos desproporcionais aos meios militares e às infra-estruturas e propriedades civis. Esta ação criaria dissuasão e voltaria a população civil contra a organização não estatal que opera a partir do seu território.
Estes dois princípios — “risco zero” e Dahiya — moldaram todos os aspetos das campanhas militares de Israel em Gaza desde a Operação Chumbo Fundido em 2008-2009.
Civis “cúmplices” de terroristasVejamos alguns exemplos. Em 21 de outubro, o exército israelita lançou folhetos no norte de Gaza, avisando os residentes para saírem imediatamente, declarando as suas vidas em risco e afirmando explicitamente que “qualquer pessoa que opte por não sair do norte da Faixa [de Gaza] para o sul de Wadi Gaza pode ser considerada cúmplice de uma organização terrorista”. Avisos de evacuação como este foram também utilizados em anteriores campanhas militares em Gaza.
Os civis que residiam nas zonas que as forças terrestres iam invadir recebiam ordens para abandonar as suas casas. Após o tempo previsto para a evacuação, essas zonas eram alvo de fortes disparos aéreos e de artilharia, muitas vezes com o objetivo de “suavizar” a área: repelir os combatentes inimigos, destruir estruturas que pudessem constituir uma ameaça para as forças terrestres e transmitir aos civis que não obedeceram à ordem de evacuação que não tinham nada que estar ali.
Para Israel, os avisos separavam os civis dos combatentes e “convertiam” as zonas civis em campos de batalha, onde, supostamente, não havia necessidade de restringir o uso da força.
Desta forma, a mentalidade de campo de batalha permitia regras de empenhamento mais permissivas. Nas zonas “convertidas”, onde os residentes foram avisados para sair, as ordens dos soldados eram muitas vezes no sentido de não correr riscos e tratar toda a gente como militante do Hamas.
Atirar em tudo o que mexeOs soldados que serviram em anteriores invasões terrestres dizem que lhes foi dito: “Qualquer pessoa que esteja lá, no que diz respeito aos militares, está condenada à morte” e “Atiramos em tudo o que se mexe”.
Um soldado explicou: “A perceção é que qualquer pessoa que se veja é um terrorista”. E outro disse: “Disseram-nos: não é suposto haver civis. Se identificarmos alguém, disparamos sobre ele”. Estas ordens não significavam, e os soldados não as entendiam como tal, que mesmo as pessoas claramente inofensivas deviam ser abatidas; significavam que, se houvesse alguma dúvida de que uma pessoa era inofensiva, essa pessoa devia ser tratada como hostil.
As ordens serviam para proteger os soldados contra possíveis ameaças, à custa de civis inocentes que ficavam para trás e eram considerados “cúmplices de uma organização terrorista”, como diziam os folhetos recentes.
Para combater o Hamas dentro das zonas urbanas, a presunção de inocência que, no passado, orientava a guerra urbana nas Forças de Defesa de Israel (IDF), foi virada do avesso. Em Gaza, quem não sai é culpado até prova em contrário.
Prioridade é proteger os soldadosUma vez concluída a transformação conceptual das aldeias e bairros em campos de batalha, as forças israelitas atacaram como se estivessem a travar uma guerra convencional. Engenheiros de combate e bulldozers armados abriram caminho para as tropas terrestres, destruindo tudo o que se atravessasse no seu caminho — estradas, carros, edifícios de apartamentos, terrenos agrícolas. Os tanques Merkava deslocavam-se ao lado da infantaria, disparando constantemente contra tudo o que parecesse uma ameaça.
Um soldado descreve os bulldozers e os tanques a operarem em conjunto: “Disparavam, destruíam, disparavam, destruíam, e era assim que nos deslocávamos... Casas em locais estratégicos que não íamos capturar, coisas perigosas. [...] Eles arrasaram tudo”.
Os soldados dizem que o fogo era contínuo, sem interrupções: metralhadoras, morteiros, M16, artilharia, fogo aéreo. Qualquer coisa era considerada um alvo legítimo: “Estamos em Gaza, dispara-se contra tudo”.
O fogo intenso destinava-se a proteger os soldados e a destruição a eliminar possíveis ameaças. A proteção dos soldados era a prioridade máxima. A devastação de bairros inteiros era um subproduto desta proteção e, ao mesmo tempo, um dos objetivos da operação, de acordo com a doutrina Dahiya.
Invadir, dormir, destruirUma vez lá dentro, as forças tinham como missão encontrar e incapacitar os combatentes do Hamas ou, como em 2014, encontrar e demolir os túneis utilizados pelo Hamas para invadir Israel. Algumas das casas invadidas pelas forças foram transformadas em quartéis-generais e dormitórios temporários.
Quando as forças terrestres finalmente se retiraram da Faixa de Gaza, muitas das casas em que os soldados ficaram foram explodidas por engenheiros militares, enquanto os bairros que ocuparam foram bombardeados pela força aérea. Tratou-se de uma aplicação clara da doutrina Dahiya, que exigia a destruição das zonas civis independentemente de qualquer risco para a segurança dos soldados.
Um soldado descreve a retirada da seguinte forma: “Uma hora, ou uma hora e meia antes do início do cessar-fogo, uma investida atrás da outra, os aviões entraram e bombardearam todas as casas que estavam de alguma forma associadas ao inimigo [...]. Casa após casa, as bombas a cair e a apagar cada casa. Estávamos a trezentos ou quatrocentos metros de distância. Quando confirmámos que estavam todos fora, os aviões entraram e abateram-nos. A casa cai até ao chão. Apagada. Transforma-se em pó”.
A terrível lição de 7 de outubroComo estes exemplos deixam claro, os princípios que orientaram as operações militares de Israel em Gaza implicam um aumento dos danos para os civis e graves prejuízos para a propriedade e infraestruturas civis.
Embora as campanhas militares anteriores não tenham dissuadido o Hamas de retomar as hostilidades, o compromisso de Israel com estes princípios não enfraqueceu. Pelo contrário, a cada nova ronda de violência, os dois princípios eram interpretados como permitindo e recomendando um uso ainda maior da força e do poder de fogo.
As lições retiradas dos conflitos passados foram sempre sobre a aplicação correta destes princípios, nunca sobre a validade dos próprios princípios. A experiência ensina-nos apenas o que as nossas premissas nos permitem ver.
O terrível ataque de 7 de outubro deixou bem claro que a defesa de Israel exige uma abordagem diferente. Devemos questionar os nossos pressupostos: a lição que devemos retirar dos conflitos passados é que a força, por si só, não pode proporcionar a nós, israelitas, a segurança que merecemos.
Uma resolução política que aborde as raízes do conflito é a única forma de defender as fronteiras e os cidadãos de Israel. Temos de chegar a acordos vinculativos que garantam os direitos, a segurança e a liberdade de israelitas e palestinianos, bem como a autodeterminação de ambos os povos.
Nadav Weiman serviu nas forças especiais das FDI na Cisjordânia e na Faixa de Gaza e é diretor da Breaking the Silence, uma organização não-governamental israelita de veteranos contra a ocupação.