observador.ptObservador - 20 set. 00:16

Escola, filha de um deus menor

Escola, filha de um deus menor

António Costa ainda não se capacitou de que se quer um sistema educativo de qualidade para todos, não pode empurrar sistematicamente os problemas com a barriga como fez nos últimos oito anos.

“Não há nada que se faça em educação que tenha resultados imediatos. Nada. Qualquer ilusão de que se estala o dedo e os problemas estão todos resolvidos não passa disso, é mesmo uma ilusão”. Esta afirmação do Ministro da Educação, João Costa, leva-nos a uma pergunta imediata: O que é que está a ter efeitos, hoje, neste arranque do ano letivo, que tenha sido planeado nos 8 anos que leva de governação?

Partindo do pressuposto de que os docentes desempenham um papel central nos sistemas educativos, adequando não apenas o conhecimento curricular e disciplinar aos seus alunos, mas também como responsáveis, em grande medida, pelo seu desenvolvimento pessoal e social, a garantia de uma educação de qualidade depende sobretudo de políticas que promovam a existência e a formação de educadores e professores profissionalizados. Estes têm um papel fundamental no sucesso do sistema educativo como um todo, nomeadamente na escola pública, enquanto garante da igualdade de oportunidades, do combate às desigualdades e injustiças sociais!

Todavia, após oito anos de governação, desaguamos na triste realidade de que a cada novo ano letivo que arranca a incerteza é crescente: cada vez há mais falta de professores, cada vez há mais horas letivas por preencher, cada vez haverá mais alunos sem professores a pelo menos uma disciplina nos próximos anos.

Para o Plano de recuperação das aprendizagens, o governo justificou a opção política de retirar cerca de 3300 horários com a inexistência da continuação dos apoios comunitários. O nosso país não tem verbas do OE para investir no crédito horário das escolas? Não nos parece. Não será, aliás, que o problema se prende mais com a falta de professores do que com a falta de verbas europeias? Então, e os 2,2 mil milhões de recita fiscal a mais este ano?

De facto, nos últimos quase oito anos, apesar das promessas a cada discussão do Orçamento do Estado (OE), o governo não adotou uma medida de fundo para atrair os jovens para a formação inicial de professores nem para tornar a sua carreira mais atrativa. Quando um jovem atento olha para o que se passa a cada ano nas escolas, ponderará muito bem se quer ingressar numa carreira sujeita à burocracia desnecessária, com falta de condições de trabalho individual e colaborativo, longe de casa, com poucas ferramentas eficazes para combater a indisciplina crescente, a uma carreira socialmente pouco reconhecida, também pelo governo, e, não menos importante, onde se ganha mal.

Sim, o governo encomendou um estudo em 2021 – mais vale tarde do que nunca – que afirmava o que já se sabia: que o crescente número de aposentações aumentaria todos os anos e que, consequentemente, seria necessário fazer entrar no sistema mais 34 mil docentes até 2030. E o que se fez desde então? Nada de estrutural e muito de propaganda. O que fez para atrair os mais novos para a profissão, que incentivos lhes deu? Nada! Ironicamente, António Costa pensa que com umas viagens de comboio na CP, umas estadias nas pousadas da juventude mais, um cheque-livro resolve o problema. É tudo uma questão de fé!

Os estágios profissionais remunerados prometidos por João Costa tardam em aparecer, mas abriu ainda mais a docência a “professores” com habilitação própria, não profissionalizados para colmatar a falta de professores. Ou seja, um retrocesso aos anos 80 que não pode ser a panaceia para o problema que o país tem em mãos. Entende-se a medida como último recurso, mas não prolongado no tempo, para alguns grupos de recrutamento do terceiro ciclo e secundário, já para os grupos de recrutamento do Pré-Escolar, primeiro ciclo e mesmo do segundo ciclo, temos sérias dúvidas e muita preocupação uma vez que nos anos iniciais, dos 3 aos 12 anos, a formação pedagógica e didática dos docentes é fundamental para que as crianças aprendam. Neste ponto, o governo, ao não planear, não acautelou estes níveis de ensino são estruturantes e basilares para o desenvolvimento social, escolar e académico das nossas crianças.

De facto, se tivesse havido planeamento reformista da parte do governo, hoje começaríamos a ver os resultados desse planeamento. Não só na educação. Mas o governo preferiu sobreviver politicamente e andar seis anos arredado do que era essencial e estruturante para o país, sob o jugo da geringonça. António Costa, primeiro-ministro, ainda não se capacitou de que tem de investir seriamente no setor da educação. Se quer um sistema educativo de qualidade para todos, não pode empurrar sistematicamente os problemas com a barriga como fez nos últimos oito anos. Isto é crime político irresponsável que está a gangrenar o nosso sistema educativo. Ou o governo cria condições para valorizar o salário em início de carreira e deve procurar meios e incentivos para a atrair docentes para Lisboa e Vale do Tejo e Algarve ou, então, o país pagará bem caro a irresponsabilidade de não o fazer. Até porque, em 2030, o que se verifica hoje nos distritos de Lisboa, Setúbal e Faro, onde a falta de professores se agrava e agravará, verificar-se-á também a norte! O que sobrará então do nossos sistema educativo?

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