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A dupla campanha de Joe Biden

A dupla campanha de Joe Biden

A par da campanha hipermediática de elevada visibilidade, a equipa de Biden tem em marcha uma operação de longo curso e resultados lentos, longe dos holofotes, que visa quebrar resistências.

Enquanto as atenções se concentram nas primárias republicanas, vale a pena olhar para a campanha do Partido Democrata e, em particular, para a sua dimensão menos visível. Comecemos, no entanto, pelo lado mais vistoso. Joe Biden posiciona-se como o defensor da democracia contra o extremismo quer em anúncios postos a circular em múltiplas plataformas (com uma aposta forte no streaming), quer numa comunicação digital intensa que promove os seus feitos e ataca os adversários. Por outro lado, por não precisar, ainda não começou a fazer comícios.

Biden tem o palco mais relevante das presidenciais: a presidência. O mandato é, por si só, uma forma de campanha. Todavia, desempenhar o cargo num contexto de calcificação política é um exercício de desgaste permanente.

O mandato é, por si só, uma forma de campanha. Todavia, desempenhar o cargo num contexto de calcificação política é um exercício de desgaste permanente

Prevê-se que as próximas presidenciais sejam muito competitivas e decididas por margens muito reduzidas, o que exige estratégias bem arrojadas e criativas, com capacidade de fazer face a um ecossistema comunicacional enviesado, que inclui media tradicionais (como a Fox News), plataformas sociais (como o Twitter) e canais underground (como o Telegram). Tal sistema político-comunicacional fez da pós-verdade um modelo de negócio, e da cultura wrestling uma inspiração: estas modalidades política e jornalística são, acima de tudo, performativas, e substituíram o real e os factos por ficções e falsidades.

A consolidação deste ambiente político-comunicacional implicou a aniquilação simbólica da política moderada, que também não encontra guarida fácil naquele jornalismo que não se tribalizou mas que, por razões mercadológicas, substituiu a postura questionadora da política por uma atitude cínica. Patente principalmente na televisão, ele privilegia uma cobertura assente na estratégia e no jogo, em ataques e emoções negativas, e na “corrida de cavalos” incessante. Nesta esfera pública que se transformou num território em guerra contínua, o espaço dos moderados diminuiu substancialmente, e muitos dos órfãos da ponderação engrossaram as fileiras do silêncio.

Por tudo isto, a par do poder do incumbente e da campanha hipermediática de elevada visibilidade, a equipa de Biden tem em marcha uma operação de longo curso e resultados lentos, de baixa notoriedade e longe dos holofotes, que visa quebrar resistências e conquistar independentes de inclinação republicana, bem como moderados deste partido com baixa rejeição a Biden. Para tal, aposta numa abordagem presencial e personalizada, focada em construir ligações emocionais e ultrapassar dissonâncias cognitivas. Nesta modalidade de canvassing (angariação de votos porta-a-porta e via telefone), própria do ADN da política americana, o interlocutor faz parte dos círculos do eleitor, e ambos conversam sobre Biden e a implementação das suas políticas, sem ocultarem pontos críticos.

Esta estratégia de influência pessoal combina big data com micro-targeting. Com a ajuda de modelos de análise preditiva, algoritmos e métricas, a equipa identifica com precisão os alvos de persuasão e os interlocutores, bem como os temas a explorar em cada encontro e os ângulos de abordagem. Usam-se infra-estruturas de dados e ferramentas de Inteligência Artificial generativa como armas de precisão maciças.

Nas midterms, os estrategos democratas já tinham contribuído para a escolha de republicanos radicais nas primárias do partido; agora estão em busca dos seus eleitores moderados. Nesta expedição além-fronteiras partidárias, rentabilizam a guerra entre Donald Trump e Ron DeSantis, que consolida o centro de gravidade do partido no extremismo, para reforçarem o posicionamento de Biden como o defensor da democracia. O presidente não é um candidato popular nem carismático, mas é eficaz e pragmático. Talvez por isso goste de repetir: “Não me comparem com os melhores, comparem-me com a alternativa.”

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