observador.ptObservador - 6 jun. 00:12

Por que sou a favor das retenções

Por que sou a favor das retenções

Como se sentirá um aluno que chega ao 3.º ano e é o único de 20 que ainda não lê? Que autoestima terá quando olhar para o lado e se confrontar com o conhecimento bem mais evoluído dos colegas?

No passado dia 1 de junho, a colega Alexandra Silva, escreveu um artigo, aqui no Observador, onde explicava porque era contra a retenção de alunos. Discordando eu dessa opinião, tentarei explicar, nas próximas linhas, as razões pelas quais sou a favor das retenções.

A retenção de alunos é um tema polémico na área da educação, com defensores e críticos, geralmente, fervorosos. No entanto, gostaria de apresentar a minha visão como alguém que acredita que a retenção pode trazer benefícios significativos para o desenvolvimento educativo dos estudantes. Ao afastar o facilitismo da escola e valorizar o rigor, a exigência, a cultura do esforço e do empenho, podemos proporcionar uma base sólida para o sucesso académico e pessoal dos alunos, em qualquer ano escolar.

Defender a retenção não é um ato de maldade ou insensibilidade, significa, na realidade, reconhecer e valorizar o mérito e o esforço dos alunos. A retenção, quando aplicada com critérios claros, pode premiar aqueles que se dedicam e se empenham nos estudos, motivando-os a continuar a procurar o sucesso académico.

Para além disso, também ajuda a combater o facilitismo, um problema cada vez mais recorrente nas escolas públicas portuguesas. A promoção quase automática de alunos sem a devida aquisição de conhecimentos, mascarada de medidas de suporte à aprendizagem, contribui para a desvalorização do ensino e prejudica a formação de indivíduos aptos para o mercado de trabalho e para a sociedade.

A retenção pode proporcionar aos alunos uma oportunidade de desenvolver habilidades socioemocionais, como resiliência, perseverança e responsabilidade. A experiência de enfrentar desafios académicos e superá-los pode fortalecer o caráter dos estudantes, preparando-os para os obstáculos futuros. As dificuldades não se combatem com a diminuição dos obstáculos, mas sim com ajuda para os conseguir transpor.

Ao reter alunos, as escolas podem e devem oferecer um ensino mais personalizado, adaptado às necessidades individuais de cada estudante. A chamada personalização do ensino é essencial para garantir que todos os alunos alcancem o seu potencial máximo, permitindo-lhes progredir de acordo com o seu ritmo de aprendizagem. Respeitar o ritmo de aprendizagem é exatamente aceitar que determinado aluno possa não estar academicamente preparado para transitar de ano e nessa altura a sua passagem pode ser mais prejudicial do que benéfica. Como se sentirá um aluno que chega ao 3.º ano e é o único de 20 que ainda não lê? Se há quem defenda que reter pode traumatizar, eu defendo que transitá-lo sem conhecimentos traumatiza muito mais. Que autoestima terá este aluno quando olhar para o lado e se confrontar com o conhecimento bem mais evoluído dos colegas?

Por essa razão considero que a retenção de alunos permite que eles adquiram uma base sólida antes de avançarem para o próximo ano escolar, sendo que essa é essencial para o sucesso contínuo dos alunos, evitando lacunas de conhecimento, que podem comprometer o seu desempenho académico ao longo da escolaridade. Quantos de nós já não ouvimos os colegas, até do ensino superior, queixarem-se de que os alunos chegam cada vez mais mal preparados? Não é legítimo fazer uma ligação direta com o facto de as retenções serem apenas possíveis em casos excecionais, conforme consta na atual lei?

A transição automática desvaloriza a importância do processo de aprendizagem e não apenas do resultado final. O foco no esforço contínuo e na aquisição efetiva de conhecimentos é fundamental para o desenvolvimento intelectual dos alunos, tornando-os estudantes críticos e autónomos. Não deveria ser esse um dos propósitos da escola?

A escola tem a obrigação social de garantir que determinado sujeito, a quem dá a certificação, adquiriu verdadeiramente o conhecimento e as capacidades que era suposto ter adquirido ao longo da sua frequência escolar. Certificando, sem essa garantia, é mentir à sociedade e não cumprir com o seu propósito!

Ao tomar a decisão de reter um aluno, é necessário envolver os pais e responsáveis, criando um diálogo aberto e construtivo para apoiar o desenvolvimento académico e pessoal do estudante.

A retenção promove uma cultura de exigência e responsabilidade, tanto por parte dos alunos quanto dos professores. Por essa razão é essencial estabelecer padrões elevados de desempenho e responsabilizar os alunos pela sua própria aprendizagem, incentivando-os a superar os desafios e a alcançar metas graduais e cada vez mais altas.

Por fim, a retenção prepara os alunos para os desafios da vida adulta. A escola tem a responsabilidade de formar cidadãos competentes e preparados para os desafios da sociedade. Ao valorizar o rigor, a exigência e o empenho, a retenção contribui para a formação de indivíduos capazes de enfrentar os obstáculos da vida com resiliência e determinação.

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