observador.ptObservador - 4 jun. 00:16

Não há pachorra

Não há pachorra

Devemos ser um dos países culturalmente mais homogéneos do planeta, mas vivemos cheio de medo do que vem de for a – viu-se de novo com a série 'Rabo de Peixe'. Sinceramente, já não há pachorra.

A série portuguesa ‘Rabo de Peixe’ que passa na Netflix deu azo aos habituais comentários do estar bem feita, mas não reflectir a realidade, passando pelo estafado ignorar as especificidades nacionais até chegar ao ser uma estandardização comestível do que se faz lá fora. No fundo, as críticas habituais quando se exportam serviços. As censuras ao turismo vão na mesma linha, perda de identidade e por aí em diante, mas depois é o sector que explica o crescimento económico e ainda cria emprego em Portugal. É mal pago? É. Mas isso resulta da aposta feita nos salários baixos, apesar da retórica em contrário. Conseguir salários altos não depende apenas da vontade e de discursos inflamados. Implica poupança (que o socialismo despreza), capital (que o socialismo odeia) e investimento (do qual o socialismo escarnece). Acima de tudo passa por aceitar que vivemos num mundo global e que para uma indústria criar níveis de emprego com bons salários é necessário aceitar essa realidade. Já agora, a cena do centro de saúde no primeiro episódio é um excelente retrato da miséria que se vive nas regiões mais afastadas dos centros urbanos. Incluindo a reacção da funcionária, o seu silêncio após o pedido do rapaz e que nos faz crer interesse seguido do carregar no botão para chamar o próximo número. São realidades que doem, retratam um falhanço chamado socialismo, e pode não passar a melhor imagem lá para fora, mas essa foi uma batalha que o país terá ganho faz meio século.

‘Rabo de Peixe’ é apenas um exemplo do que podia ser uma boa indústria audiovisual portuguesa. Ninguém está à espera que se atinjam as quantidades norte-americanas ou indianas, mas  a produção de algumas séries do mesmo género para plataformas internacionais como a Netflix e a HBO permitiriam a existência de uma indústria que pagasse bem os actores (lhes desse projecção e possibilidade de trabalharem no estrangeiro), mas também aos argumentistas, produtores de som, de câmara, enfim às inúmeras profissões que este mercado acarreta. Basicamente, o que se faz em Espanha e na Dinamarca. A série ‘Borgen’ também não deve ser um retrato fidedigno da realidade dinamarquesa, mas quem a vê sabe quem a fez e não é difícil de imaginar quem recolhe os frutos desse sucesso. O fim de uma mentalidade crítica de qualquer coisa que saia dos pârametros habituais (com certos laivos de salazarismo, diga-se) seria um passo sério para finalmente conseguirmos um país onde se viva bem melhor sem que esse viver melhor implique endividamento das gerações futuras.

Portugal falhou a revolução agrícola, passou ao lado da revolução industrial, a indústria portuguesa nunca atingiu os níveis de investimento e de emprego necessários para que se desse um salto na qualidade de vida. O mesmo sucedeu com o sector dos serviços onde, fora excepções que confirmam a regra, se produz para vender a clientes nacionais. No fundo, a maioria anda de um lado para o outro a comprar e a vender produtos uns aos outros. Não concordam? Veja-se a celeuma, uma verdadeira crise da identidade nacional que é a venda de casas ao estrangeiros (que trazem dinheiro e pagam impostos) ou os motoristas das plataformas como a Uber que não falam português.

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