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Um novo acórdão Bosman?

Um novo acórdão Bosman?

O Tribunal de Justiça da União Europeia pode estar à beira de nova decisão fundamental sobre o futebol.

Em 1995, um acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (UE), o famoso acórdão Bosman, fez jurisprudência em matéria de transferências no futebol e provocou um verdadeiro terramoto no desporto mais popular do mundo.

Nesse ano, o Tribunal considerou a lei das transferências da UEFA incompatível com o direito de livre circulação dos trabalhadores garantido pelo Tratado da UE, uma das quatro liberdades fundamentais concedidas aos cidadãos europeus. Esse direito inclui a livre circulação e residência dos trabalhadores e suas famílias, de trabalho noutro Estado-membro da UE e de serem tratados de forma igual aos respetivos nacionais.

O acórdão Bosman, por muitos referidos (erradamente) como “Lei Bosman”, estabeleceu a livre transferência no final dos contratos, sem quaisquer restrições, ao contrário do que previam as regras da UEFA. Teve igualmente repercussões nas denominadas cláusulas de nacionalidade, ao decidir que a existência de um limite máximo de jogadores estrangeiros no plantel de um clube restringia a sua liberdade de circulação, pois ficavam impedidos de assinar novos contratos com clubes que já tivessem atingido aquele limite.

Volvidos quase 30 anos, aguarda-se nova decisão do Tribunal de Justiça – no processo Royal Antwerp Football Club –, desta vez sobre as regras da UEFA, em vigor desde a época de 2008/2009, sobre os "jogadores formados localmente", isto é, formados por um determinado clube ou na federação nacional a que este pertence.

Estabelecem essas regras que os clubes registados numa das competições da UEFA devem incluir um mínimo de oito jogadores formados localmente, numa lista máxima de 25 jogadores. Desses oito, pelo menos quatro (independentemente da nacionalidade) devem ter sido formados pelo clube em questão, durante pelo menos três anos, entre os 15 e os 21 anos de idade.

No que diz respeito a este novo processo, foram recentemente publicadas as conclusões do Advogado Geral Maciej Szpunar. Embora as Conclusões de um Advogado Geral (espécie de “procurador”, ainda que com funções ligeiramente distintas), não vinculem o Tribunal de Justiça, que pode decidir noutro sentido, elas são muitas vezes decisivas, até por balizarem os princípios fundamentais de direito europeu na matéria.

Se as suas recomendações forem seguidas, os clubes europeus poderão ter de mudar a forma como recrutam jovens jogadores e muita coisa pode voltar a mudar no futebol europeu.

Considera Maciej Szpunar que as regras da UEFA podem criar uma discriminação indireta contra os nacionais de outros Estados-membros, levando a uma restrição à liberdade de circulação, uma vez que quanto mais jovem for um jogador, maior é a probabilidade de o mesmo residir no seu local de origem. Contudo, a imposição de um número mínimo de jogadores formados localmente pode responder a objetivos legítimos que justifiquem essa restrição, como a importância de formar jovens jogadores para manter o equilíbrio entre clubes através da preservação de uma certa igualdade de oportunidades e garantir a incerteza dos resultados.

Se as recomendações forem seguidas, os clubes europeus poderão ter de mudar a forma como recrutam jovens jogadores e muita coisa pode voltar a mudar no futebol europeu

Mas o Advogado Geral considerou, por outro lado, que não se justifica, à luz do direito europeu, que nesse número de jogadores formados localmente se contem jogadores formados noutro clube da respetiva liga nacional.

Assim, as regras da UEFA serão parcialmente compatíveis com o direito da UE.

Ver-se-á como decide o Tribunal, mas uma vez mais as regras associativas relativas àquele que é o mais popular desporto do mundo, determinadas por uma associação privada – como é a UEFA – terão de ceder às normas europeias, especialmente no que respeita à livre circulação de trabalhadores.

Aguardemos pois.

As autoras escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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