observador.ptObservador - 19 mar. 00:16

Detergente espiritual e abusos na Igreja

Detergente espiritual e abusos na Igreja

Cristo pagou, justamente, pelos nossos pecados. E assim não saltou por cima das exigências da justiça e da verdade. É que o verdadeiro perdão, ou misericórdia, exige uns mínimos: a justiça e a verdade

Tomo para epígrafe destas breves linhas uma frase tragicamente irónica, retirada do Cartoon de António, no Expresso de 17 de Março de 2023, que leva por título “Perdão – Lava mais branco”, contendo também a figura de um clérigo que segura na mão um pacote de um eficaz produto branqueador com a seguinte inscrição: “Perdão – detergente espiritual”. Esta frase dá que pensar. É uma frase irónica e arrasadora, que manifesta também, segundo creio, a razoável repugnância por um certo conceito de perdão, ultimamente em voga na cabeça de muitas pessoas, dentro e fora da Igreja. Tal conceito, erróneo, de perdão supõe que o perdão divino seja uma espécie de lixívia que branqueia eficazmente toda a espécie de pecados e actos imorais, sem a necessidade e a exigência de acções ulteriores por parte do pecador ou, quando muito, apenas com a simples exigência da recitação de umas poucas ave-marias ou pai-nossos. Numa tal visão, compreendo que alguém que merece todo o meu respeito, tal como Bárbara Reis, no seu artigo de opinião, no Público de 18 de Março último, possa contundentemente afirmar: “nunca compreendi (já adivinha) a leveza com que os católicos se confessam, sabendo que o padre vai perdoar e que tudo se resolverá com uns pai-nossos e umas ave-marias”. Se, de facto, algum católico se confessa com esta “leveza”, devo dizer que também eu, sendo padre católico, afirmo, com a mesma contundência, que não compreendo de todo tal confissão, sintonizando, assim, inteiramente, neste ponto, com Bárbara Reis.

Ora, tal conceito de perdão não é o da Igreja Católica, ainda que algum dos seus membros assim o possa julgar. É certo que o perdão divino, sendo inteiramente gratuito, apaga completamente os pecados dos pecadores, que manifestem sinceramente arrependimento. Mas isso não se deve a uma espécie de um acto de subtil magia, operado por Deus. Com efeito, o perdão é uma acção do próprio Cristo, filho de Deus, que para tal assumiu, voluntariamente, os pecados, passados, presentes e futuros, de todos os humanos pecadores (onde naturalmente me incluo), verdadeiramente arrependidos, resgatando-os pelo seu sangue. E até à última gota.

Quer dizer, Cristo pagou, justamente, pelos nossos pecados. E assim não saltou por cima das exigências da justiça e da verdade. É que o verdadeiro perdão, ou misericórdia, exige uns mínimos (embora os exceda largamente): a justiça e a verdade. Sucede que estas mesmas exigências, que o próprio Cristo cumpriu, também são exigidas a cada um dos seus seguidores quando pecam. Por isso, ao pecador a doutrina católica exige, não só um verdadeiro arrependimento, como também um acto de reparação (ou de satisfação) da injustiça cometida pelos seus pecados.

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