Corina Lozovan - 17 mar. 09:32
Irão e a Arábia Saudita: uma nova era da geopolítica
Irão e a Arábia Saudita: uma nova era da geopolítica
Sob a égide chinesa, a reaproximação surpresa entre o Irão e a Arábia Saudita revela as mudanças incipientes na ordem global e oferece a possibilidade de estabilidade na região, beneficiando não só os atores envolventes, mas também as pessoas
Em meados da década 30, Sir Austin Chamberlain, citou esta frase, que afirma ter sido veiculada por alguém na China: “Que vivas em tempos interessantes.” A expressão, conhecida pela sua ironia, reflete os tempos de transição paradigmáticos no Médio Oriente, com o novo acordo de reconciliação entre o Irão e a Arábia Saudita.
A restauração dos laços diplomáticos entre os dois países é fruto dos esforços e interesses chineses cada vez mais presentes na região, que contaram com a ajuda mediadora do Iraque e do Omã. No âmbito deste acordo histórico, ambos os países reabrirão as suas respetivas embaixadas nos próximos dois meses, sendo notável a decisão de voltarem aos dois acordos assinados anteriormente, sendo que um almeja a cooperação em assuntos de segurança, e o outro foca-se na promoção de laços económicos, comerciais e científicos.
Após anos de hostilidades e conflitos proxy, esta normalização de relações advém da política externa saudita que tem promovido o fim das disputas, a recuperação da estabilidade e a prosperidade como destino comum aos países na região. Por outro lado, o vácuo de poder resultante da retirada gradual dos Estados Unidos contribuiu para a presença expansiva de Pequim no Médio Oriente, revelando a sua faceta em tornar-se uma força global na resolução de conflitos internacionais.
Neste sentido, este acordo tem implicações regionais e internacionais. Os Estados Unidos, não tendo relações com o Irão desde 1980, estavam limitados a qualquer possibilidade de diálogo entre Riade e Teerão. A China posicionou-se como um ator crítico, cultivando boas relações com as duas partes, desafiando, assim, o papel dominante de Washington na governação global. Se o Irão e a Arábia Saudita cumprirem as suas promessas e reabrirem as embaixadas conforme acordaram, isto poderá significar um início na resolução da guerra no Iémen, sem, todavia, garantir o seu fim, já que existem outros atores locais envolvidos no conflito.
Paralelamente a esta reconciliação, debateu-se também a possibilidade de uma regularização de relações entre a Arábia Saudita e Israel. As implicações para que esta se torne real é agora condicionada, mas não impede o seu progresso. Os dois países têm cultivado relações não oficiais há alguns anos e é improvável que o processo pare, já que os mecanismos de normalização com os países do Golfo começaram em 2021, com o reconhecimento oficial e a abertura de embaixadas nos Emirados Árabes Unidos e Barém, e não demonstra sinais de que terminará.
A celebração deste acordo poderá ser vista como uma vitória para a estabilidade regional, contrariando as análises que explicam o Médio Oriente através das divisões sectárias, particularmente xiita versus sunita. Simultaneamente, indica uma nova reconfiguração, com mudanças geopolíticas que estão a criar uma ordem regional multipolar – na qual a dependência da Europa e dos Estados Unidos já não é viável. Se a Europa pretende manter-se um ator relevante na região, é necessária uma maior assertividade na sua política externa e, por outro lado, evitar a polarização do poder, usando a estrutura multipolar para o seu benefício. Deste modo, pode cimentar os seus interesses e fomentar mais cooperação regional.
Para já, é ainda prematuro afirmar se esta reconciliação será duradoura, visto que enfrenta vários desafios e depende da implementação das condições do acordo, dos vários interesses e da estratégia chinesa na região. Não deixa de ser curioso que a ironia dos tempos interessantes seja afinal uma maldição, aludindo aos tempos conturbados que vivemos. Quiçá este acordo se manifeste como um desejo para terminar com as décadas de instabilidade e as guerras na região, reduzindo as tensões e inaugurando uma nova era da geopolítica.