ssantos - 17 mar. 17:05
Visão | Muita água tem Portugal
Visão | Muita água tem Portugal
A semana que termina fica marcada por “metermos água” e por duas admoestações. Uma do Chefe do Estado-Maior da Armada e outra do Tribunal de Contas
Na primeira o Chefe do Estado-Maior da Armada entrou a bordo do navio patrulha Mondego e dirigindo-se ao militares, incluindo os 13 militares que se recusaram a cumprir uma missão alegando falta de segurança da embarcação (que integra um conjunto de cinco navios adquiridos à Marinha Real Dinamarquesa em meados dos anos 10), disse: “Sinceramente, não vos consigo entender, nem perceber bem as vossas motivações e certamente a vossa interpretação peculiar do dever de tutela e de disciplina”. Deixou no ar a pergunta “Que interesses os senhores defenderam?”.
Palavras interessantes que me leva à segunda admoestação, esta dada pelo Tribunal de Contas à administração da Transtejo/Soflusa que, pasme-se, comprou 10 navios elétricos, mas só um equipado com bateria.
Num negócio que o Tribunal de Contas compara à compra de uma bicicleta sem pedais, ou um automóvel sem motor, o país gastou 52,4 milhões de euros e preparava-se para gastar mais 15,5 milhões de euros para adquirir as baterias em falta. Mas, não é tudo! De acordo com o Tribunal de Contas a aquisição das baterias seria por ajuste direto à mesma empresa (espanhola) que tinha vendido os navios, que por sua vez iria comprá-las a outra empresa. Não será caso mais do que suficiente para perguntar à administração da empresa pública (que entretanto se demitiu deixando a equação para outros resolverem) “que interesses os senhores defenderam”?Tendo em conta a indignação da presidente do conselho de administração, que apelidou as considerações do Tribunal de Contas de “ofensivas e ultrajantes”, sou levado a crer que, afinal, a compra dos nove navios elétricos de transporte de passageiros não equipados por bateria deve ser vista como oportunidade.
Newsletter A subscrição foi submetida com sucesso! Telegrama Olhar pela imprensa internacional que nos ajuda a compreender o mundo pela escrita dos outrosDe acordo com dados oficiais a procura de transporte oferecido pela Transtejo/Soflusa aumentou 45% em janeiro e fevereiro deste ano face ao mesmo período de 2022. Sabendo que no movimento pendular os clientes ficam com pouco tempo para ir ao ginásio, a empresa pública viu aqui a oportunidade para proporcionar a prática de remo entre as duas margens do Tejo. Com esta medida, e para além de proporcionar atividade física, a administração prova que está ao leme de uma empresa dinâmica, que oferece sempre mais ao cliente e sabe ir ao encontro das suas necessidades.
Sabendo que o remo é dos desportos mais completos, que permite trabalhar cardio e força ao mesmo tempo que melhora o humor e a autoestima, a mesma administração, com a decisão simples de não comprar baterias para os navios elétricos, está a “carregar as baterias” dos seus clientes e a contribuir para que o número de mortes por doenças cardiovasculares diminua. Anualmente cerca de 35 mil portugueses morrem por doenças cardiovasculares.
A tudo isto junto ainda a parte ambiental. Ao decidirem por catamarãs elétricos sem baterias a administração da Transtejo/Soflusa não poderá ser acusada de não ser sustentável. Muito pelo contrário! O fim de vida das baterias ainda não tem uma solução sustentável, mas a Transtejo/Soflusa consegue cumprir na mais pura perfeição as melhores políticas de sustentabilidade ambiental.
Estou a terminar este texto e sinto revolta. Revolta na forma como os gestores públicos gerem as nossas empresas, como desbaratam o dinheiro dos nossos impostos. Revolta por se mostrarem indignados quando são chamados à atenção por entidades credíveis como o Tribunal de Contas.
Até quando teremos gestores com laivos de estagiários a gerir a coisa pública? Até quando empresas como a Transtejo/Soflusa têm de estar sob alçada do Estado? Será que ainda não se percebeu como o modelo da FERTAGUS, o primeiro operador privado a assegurar a gestão e exploração comercial de uma linha ferroviária em Portugal, que é responsável por cerca de 85 mil deslocações diárias, é ganhador?
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