publico.pt - 28 jan. 10:10
Convite à coragem de enfrentar os poderosos
Convite à coragem de enfrentar os poderosos
Que fazer perante as carantonhas de quem manda? Fugir ou ficar? Um desafio para todos.
Comecemos pela contracapa, que nos diz: “Dar de caras com más caras? Ui, que medo! Cara a cara, é possível vencê-lo.” João Pedro Mésseder queria muito escrever um texto para um álbum, com marca pessoal, com uma estrutura textual e poética sua. A temática que “achava relevante”, conta ao PÚBLICO, era “a coragem de enfrentar o medo, o poder e o autoritarismo (ainda por cima tão masculinizados como eles continuam a estar na nossa sociedade)”.
As primeiras caras do livro: “O senhor sargento está com cara de mau vento./ O senhor capitão está com cara de vulcão.”
Na imagem vêem-se perfis de homens zangados, mal-encarados. Inês Oliveira consegue, em pintura em aguarela, criar belos rostos feios, imersos em ambientes arquitectónicos, como escadas, arcos, paredes, e onde não faltam as simbólicas cadeiras do poder. Dos vários poderes.
A ilustradora conta ao PÚBLICO, via email, como lhe agradou o texto: “Primeiro, atraiu-me a sua dimensão breve, que potenciava a criação de um mundo em imagens. Depois, seduziu-me o facto de o texto assumir um discurso que parecia descritivo sem o ser: pois o que é uma cara mau vento, ou uma cara vulcão, ou uma cara pior?… — perguntas que não têm resposta e que são uma provocação para a ilustração — que se diverte a ampliar e a multiplicar sentidos.”
Também a vertente humorística do texto a motivou: “Atraiu-me o facto de ser um texto cómico, o que instiga à desconstrução do autoritarismo através do humor — seu grande inimigo — fomentando o aparecimento de oxímoros visuais e de narrativas paralelas ao desenho de uma acção principal.”
Estrutura de dobragem/desdobragemA meio do livro, há uma viragem, com a pergunta: “E agora? Vou-me embora e volto noutra hora?”
O autor explica: “Queria que o texto tivesse uma estrutura de dobragem/desdobragem e de gradação ascendente, como eu aprendi em algumas das obras estrangeiras do género que mais admiro. Foi assim que nasceu este gesto de criação e de insubmissão.”
Inês Oliveira acolheu entusiasmada “a forma espacial deste texto — essa dobragem/desdobragem de que fala o João Pedro —, que é algo muito do campo da imagem: uma inversão entre dois discursos que é também uma inversão entre duas formas de ver”.
Para concluir: “Foi a partir destas impressões iniciais que tentei criar o mapa-múndi específico em que se move esta narrativa, jogando com personagens, caras e paisagens-evento, que, embora altamente improváveis, teriam de ser credíveis nas páginas do livro. Para que a viagem que seguramos nas mãos aconteça.”
Perante esta dupla de amigos, que já assinaram juntos O Meu Primeiro Miguel Torga, a editora da Xerefé, Ana Biscaia, não hesitou em publicá-lo. Fez bem. Foi seleccionado pelo Unpublished Picture Book Showcase 2 e também finalista do 4th Picture Book Awards da Coreia do Sul.
“O livro estava fechado ou praticamente fechado. Ao ler as palavras de João Pedro Mésseder e as ilustrações de Inês Oliveira (autor e ilustradora fundidos nas páginas do álbum), não tive dúvidas”, recorda ao PÚBLICO. E continua: “O livro é subversivo, porque convida à insubmissão e à não cedência à subserviência e ao medo que certos lugares de poder podem causar.”
Diz o protagonista, na viragem do livro: “Não e Não!/ Também ponho um carão medonho, e enfrento/ o mau vento do senhor sargento,/ o vulcão do senhor capitão.” Isto só para as primeiras caras, que também as há de major, general, ministro, presidente e até Sua Majestade.
Conclui Ana Biscaia sobre a obra: “De certa maneira, aponta para o direito à resistência (o protagonista enfrenta todos os carões que lhe fazem frente) e é por isso um livro corajoso. E eu gosto disso.” Nós também.
CarasTexto: João Pedro Mésseder
Ilustração: Inês Oliveira
Edição: Xerefé Edições
40 págs., 14€ (encomendas online +2€, xerefeedicoes@gmail.com, Facebook e Instagram da editora)
(Locais onde se pode/poderá encontrar este livro — Viana do Castelo: Oficina com Pinta; Porto: Salta-Folhinhas, Chá de Tília e Unicepe (Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto); Coimbra: Teatro da Cerca de São Bernardo e livraria Faz de Conto (brevemente); Figueira da Foz: Bruaá (brevemente); Óbidos: Bichinho de Conto; Lisboa: Tigre de Papel e Baobá; Setúbal: Livraria Culsete.)