www.publico.ptAlina Averchenkova Joana Portugal Pereira Bruno Cunha Gloria Dickie Daniel Dias - 26 jan. 08:03

Trinta segundos que abalaram a comunidade científica da Terra

Trinta segundos que abalaram a comunidade científica da Terra

Esta carta aberta reúne 1500 assinaturas como sinal de apoio aos cientistas que foram expulsos de um encontro científico por causa do seu activismo climático (uma cientista foi mesmo despedida).

Somos um grupo de cientistas seniores, médios e principiantes que trabalham na Ciência do Sistema Terra e especificamente sobre as causas e impactos das alterações climáticas. Alguns de nós temos sido autores de relatórios do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas, IPCC. Como cientistas, fazemos observações detalhadas e concebemos cuidadosamente experiências e modelos para compreender as causas, processos e implicações das alterações climáticas.

Mantemo-nos fiéis aos factos e fazemos o nosso melhor para informar os decisores políticos e concidadãos, e para formar estudantes com métodos científicos rigorosos.

É importante notar que os cientistas climáticos são cidadãos e humanos também. Como cidadãos, nós temos as nossas próprias opiniões sobre o mundo e participamos no debate público da forma que achamos mais adequada. Como seres humanos, temos o direito inalienável de expressar as nossas opiniões de uma forma pacífica.

Estamos, portanto, chocados com a recente retaliação contra os colegas que se atreveram a exercer os seus direitos civis e humanos

O facto de as emissões antropogénicas de gases com efeito de estufa estarem a causar o aquecimento global é algo inequívoco há já várias décadas. Que estamos a pôr em perigo o futuro dos sistemas ecológicos e das sociedades também é inequívoco.

Para citar o IPCC: “As alterações climáticas são uma ameaça ao bem-estar humano e à saúde planetária. Qualquer atraso adicional na acção global de antecipação concertada sobre adaptação e mitigação vai contribuir para o falhanço de uma breve janela de oportunidade, que está a fechar rapidamente, para assegurar um futuro habitável e sustentável para todos.”

Precisamos de nos envolver activamente como cidadãos-cientistas que trabalham para a mitigação dos gases com efeito de estufa e a rápida transição para um futuro com baixas emissões de carbono.

Estamos, portanto, chocados com a recente retaliação contra os colegas que se atreveram a exercer os seus direitos civis e humanos. A dra. Rose Abramoff, juntamente com o seu colega dr. Peter Kalmus, exibiu um cartaz que dizia “Fora do laboratório e para as ruas” antes de um plenário de arte e ciências falar sobre alterações climáticas na Reunião de Outono da União Geofísica Americana (AGU).

A sua acção durou menos de 30 segundos. A resposta que lhes foi dada foi de longe desproporcionada: a AGU retirou imediatamente os seus dados científicos e contribuições do programa do encontro, apagando assim o seu trabalho do discurso científico, e depois lançou um inquérito.

Estamos profundamente preocupados com uma decisão que diz aos cientistas que eles arriscam as suas carreiras se se atreverem a falar ou a empenhar-se em advocacia que não seja formalmente aprovada. Os empregadores não devem punir os investigadores científicos por participarem em acções climáticas não violentas

Consequentemente, a dra. Abramoff — uma excelente cientista de início de carreira —​ foi despedida do seu trabalho num grande instituto governamental. Quer se concorde ou não com a forma com que a dra. Abramoff e o dr. Kalmus decidiram protestar, ou mesmo se violaram o decoro do estabelecimento, não podemos ficar calados perante as acções da AGU contra eles e a retaliação que se seguiu.

Argumentamos que o custo do silêncio face a um tratamento tão injusto e desproporcionado, para a comunidade científica e do planeta, seria demasiado elevado. As respostas pesadas e injustas a um curto desdobramento de uma bandeira não só ameaça as carreiras de dois cientistas, como também desencoraja os investigadores — e especialmente os cientistas de início de carreira — de se envolverem com os seus colegas e a sociedade e de falarem sobre a necessidade urgente de acção climática.

Estamos profundamente preocupados com uma decisão que diz aos cientistas que eles arriscam as suas carreiras se se atreverem a falar ou a empenhar-se em advocacia que não seja formalmente aprovada. Os empregadores não devem punir os investigadores científicos por participarem em acções climáticas não violentas. Academia e organizações associativas como a AGU devem ser espaços seguros para a liberdade de expressão.

Estamos ao lado dos nossos colegas cientistas climáticos que expressam a frustração com a falta de acção climática significativa no seio da comunidade científica e do público, que chame a atenção para a urgência do momento de uma forma não violenta. Estamos ao lado de Rose e Peter.

Gostaríamos de chamar ainda a vossa atenção para uma carta aberta dirigida especificamente à AGU [em inglês].

Consulte aqui os mais de 1500 signatários desta carta aberta.

Contexto e nota dos autores

No passado 15 de Dezembro, Rose Abramoff e Peter Kalmus, cientista da NASA, foram expulsos do “Encontro de Outono” (Fall Meeting) da American Geophysical Union (AGU), organização sem fins lucrativos com cerca de 60 mil membros. O “Encontro de Outono” da AGU, que se realiza anualmente, juntando milhares de pessoas (entre investigadores, estudantes, formuladores de políticas e jornalistas), é uma conferência reputada, um evento muito influente dedicado ao avanço das ciências da Terra e do espaço.

Abramoff e Kalmus foram expulsos porque subiram ao palco a meio de uma apresentação para mostrar à plateia uma faixa que dizia: “Out of the lab and into the streets.” (“Fora do laboratório; [vamos] para as ruas.”)

Para começar, as intervenções de Abramoff e Kalmus no “Encontro de Outono” da AGU, onde apresentaram trabalho de investigação, acabaram por ser retiradas do programa. Depois, o Laboratório Nacional de Oak Ridge (ORNL) demitiu Rose Abramoff, pondo fim a uma relação profissional de cerca de um ano.

Agora, é publicada uma carta aberta sobre este caso. Os organizadores desta acção contam que pediram aos colegas mais próximos para se juntarem em solidariedade com Rose e Peter e publicamente repudiar as consequências do acto pacífico de protesto. 

Em pouco tempo juntaram mais de 1500 assinaturas (três são investigadores em início de carreira e a trabalhar em Portugal). 

"Verificámos as assinaturas sem filiação para nos certificarmos de que estas são de facto cientistas (e removeram os que não o eram). Temos signatários de todos os continentes, de todos os níveis de carreira, mais de 50 IPCC colaboradores e mais de 50 directores de institutos ou departamentos de investigação, e mais de 360 candidatos a doutoramento e pós-doutoramentos", referem os responsáveis por esta iniciativa.

Por fim, concluem: "Isto é um sinal claro de apoio, e também nos dá esperança de que os cientistas se sintam seguros para falar sobre a acção climática no futuro."

Promotores da carta:
  • Ana Bastos, líder de Grupo de Investigação, Max Planck Institute for Biogeochemistry Alemanha

Co-lidera a iniciativa RECCAP2, autora participante IPCC SRCCL;

  • Philippe Ciais, director de Investigação, Laboratoire des Sciences du Climat et de l'Environnement, França

    membro da Academia Nacional de Ciência Francesa, autor principal do relatório AR5 do IPCC;

  • Almut Arneth, professora no Karlsruhe Institute of Technology, Alemanha

    autora principal e coordenadora do relatório do IPCC, SRCCL

    autor principal do Relatório AR6 do IPCC

    autora principal e coordenadora do relatório IPBES CLA Global Assessment

    autora principal do relatório IPBES Lead Author Nexus Report

    premiada DFG Gottfried Wilhelm Leibniz Prize 2022;

  • Pep Canadell, diretor executivo, Global Carbon Project, CSIRO Environment, Camberra, Austrália

    líder de investigação do CSIRO, autor principal e coordenador do relatório AR6 WGI do IPCC, membro do IPCC premiado com o Prémio Nobel da Paz;

  • Pierre Friedlingstein, professor, Universidade de Exeter, Reino Unido

    membro da Royal Society, autor principal do relatório AR5 do IPCC;

  • Daniel S. Goll, líder de equipa de investigação, Laboratoire des Sciences du Climat et de l'Environnement, França

    participante em vários projectos internacionais;

  • Bertrand Guenet, investigador, Laboratoire de Géologie de l'ENS, França

    líder de vários projectos internacionais;

  • James E. Hansen, director do programa Climate Science, Awareness and Solutions, Columbia University, Estados Unidos da América

    membro da National Academy of Sciences, premiado com a Rossby Medal da AMS e a Revelle Medal da AGU;

  • Valérie Masson-Delmotte, directora de investigação, Laboratoire des Sciences du Climat et de l'Environnement, França

    co-presidente do IPCC AR6 WGI;

  • Whendee L. Silver, Universidade da Califórnia, Berkeley, Estados Unidos da América

    professor distinto e regente da cátedra Rudy Grah;

  • Sophie von Fromm, aluna de doutoramento, Max Planck Institute for Biogeochemistry, Alemanha

    membro da AGU;

  • Samantha Weintraub-Leff, investigadora, National Ecological Observatory Network, Battelle, Estados Unidos da América

    membro da AGU;

  • Sönke Zaehle, director executivo, Max Planck Institute for Biogeochemistry, Alemanha

    autor principal do relatório AR6 do IPCC.

  • Siga-nos
    NewsItem [
    pubDate=2023-01-26 09:03:00.0
    , url=https://www.publico.pt/2023/01/26/azul/opiniao/trinta-segundos-abalaram-comunidade-cientifica-terra-2036208
    , host=www.publico.pt
    , wordCount=1315
    , contentCount=1
    , socialActionCount=0
    , slug=2023_01_26_1782485581_trinta-segundos-que-abalaram-a-comunidade-cientifica-da-terra
    , topics=[carta aberta]
    , sections=[opiniao]
    , score=0.000000]