observador.ptobservador.pt - 2 out. 12:08

"Orgulhosamente Sós". Um olhar canónico sobre a diplomacia durante a guerra colonial

"Orgulhosamente Sós". Um olhar canónico sobre a diplomacia durante a guerra colonial

Estudiosos tentam por vezes explicar porque é que a História devia ter ocorrido de outra forma, em vez de mostrar o que de facto aconteceu. O novo livro de Bernardo Futscher Pereira é um desses casos.

A 15 de abril de 1945, com a guerra na Europa à beira do fim, Salazar escreveu uma carta a Alfredo Pimenta (intelectual monárquico e germanófilo). Nesta missiva, ciente dos problemas políticos, e outros, que o fim da guerra traria ao presidente do Conselho, ao governo por si liderado e ao Estado Novo, afirmava: “Há que vencer as dificuldades presentes sem comprometer o futuro. As pessoas mesmo que não mudem de ideias quem pode garantir que não mudem de posição? Eu desejaria não fazer nem uma coisa nem outra coisa. Vamos porém a ver o que nos vem de fora e como pode atravessar-se a crise sem retroceder. Será isso possível?”

Meses mais tarde, numa carta sem data enviada ao mesmo destinatário, mas que terá sido escrita e enviada perto do fim do mês de outubro, Salazar voltava a analisar o impacto do fim da guerra nas opções políticas do seu governo. Fazia-o, em primeiro lugar, num contexto em que a vitória das democracias ocidentais e do comunismo soviético criara grande apreensão nas elites do salazarismo. Em segundo lugar, quando a imposição dos termos da vitória no pós-guerra pelas potências vitoriosas (EUA, URSS e Reino Unido) se tornara numa realidade e num problema incontornáveis para o governo de Lisboa, pelo menos temporariamente, tendo Salazar acabado por se sentir forçado, por exemplo, a introduzir alterações à Constituição e a convocar eleições antecipadas para a Assembleia Nacional (eleições às quais, e pela primeira vez desde 1934, listas da oposição podiam concorrer). Por último, Salazar dava mostras de pretender continuar no poder, não fugindo às contrariedades.

Por isso, nesta missiva de finais de outubro de 1945, evocava aquela que seria a real, umas vezes, mas apenas desejada, a maior parte das vezes, “intransigência com que nos recusamos [no governo] a tratar com potências estrangeiras o que convém ou não convém à nossa vida interna”. No entanto, e de modo que anos mais tarde pareceria surpreendente, Salazar alertou para o facto da Espanha não só possuir “um pouco de caráter que nós não temos;” mas ser, acima de tudo, “[…] mais independente do que nós podemos ser (basta-lhe não ter colónias) [itálico meu], de modo que a pressão exterior consolida os elementos de ordem à volta do generalíssimo, enquanto que em Portugal uma descompostura [destaque no original] pública dada ao regime teria por efeito desagregar todos os elementos e marcando o fim da atual situação muito provavelmente. A conclusão é que tem de evitar-se cuidadosamente as censuras ao regime português que entraram na moda em virtude daquele mesmo princípio da não intervenção na vida interna dos Estados proclamado pelos acusadores… se pudermos fazê-lo sem comprometer a solidez do regime é ótimo, sobretudo porque trabalhamos em ambiente de pura liberdade e independência […].” Daí que Salazar insistisse na necessidade de vir a ser posto em prática o princípio segundo o qual Portugal teria de se colocar, nos dois ou três anos que se seguiriam ao fim da guerra, “numa situação de não desafiar o mundo, pois que o mundo, com exceção da Península e de pouco mais, está entregue às forças da desordem, umas aparentes outras subterrâneas.”

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