ionline.sapo.ptionline.sapo.pt - 2 out. 09:16

Brasil. Tensão no 'pantanal'

Brasil. Tensão no 'pantanal'

Lula quer apoio do centro-direita, Bolsonaro tenta agradar ao Centrão. A campanha foi de acusações mútuas.

Nas eleições presidenciais brasileiras de domingo, tanto para Jair Bolsonaro como paara Luiz Inácio Lula da Silva, a taxa de rejeição do adversário conta tanto ou mais do que os respetivos apoios. Num Brasil cada vez mais polarizado, o debate presidencial desta quinta-feira virou um autêntico show de troca de acusações, ao vivo na TV Globo, logo a seguir ao Pantanal, uma das telenovela favoritas dos brasileiros. O receio é que a telenovela política se transforme em drama muito em breve.

Nenhum dos candidatos favoritos à presidência debatia no seu terreiro de sonho. Se os apoiantes de Lula – que está com 47% das intenções de voto, segundo sondagens do Datafolha – sempre cantaram o slogan «fora Globo, o povo não é bobo», os fãs de Bolsonaro, que está 14 pontos atrás nas pesquisas, gostam de apelidar este canal de «Globolixo».

A tensão estava em alta, com ambos os lados a acusarem-se mutuamente de serem culpados pelo ‘pantanal’ (passe o trocadilho), que é a política brasileira. «Lula era o chefe de uma grande quadrilha. Não podemos continuar a ser o país da roubalheira», declarou o Presidente Bolsonaro, numa referência a escândalos nos governos de Lula, que seria condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na operação Lava Jato.

Essa condenação foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que entendeu que o antigo Presidente não teve os seus direitos respeitados pelo juiz Sérgio Moro, que seria depois escolhido para ministro da Justiça de Bolsonaro, sendo suspeito de parcialidade na sua condenação. Não que Bolsonaro tenha em grande consideração o STF, acusando-o de estar no bolso dos petistas. Mas Lula não hesitou em rispostar às acusações durante o debate. «Montei quadrilha? Bolsonaro está a olhar-se ao espelho», respondeu. As mesmas sondagens que dão a vitória a Lula – do Datafolha – apontam que cerca de 70% dos brasileiros estão convencidos de que houve irregularidades nas contas do Governo de Bolsonaro, tendo o seu mandato sido marcado por sucessivos escândalos. Desde denúncias de fraude nas negociação para compra de vacinas, à investigação de ‘rachadinhas’ – o termo para desvio de fundos através de assessores fantasma – no gabinete de Flávio Bolsonaro, senador e filho do Presidente, até a suspeitas de ligações entre o seu clã e as milícias que aterrorizam o Rio de Janeiro, em particular o chamado ‘Escritório do Crime’.

Contudo, por mais que tais acusações dêem um espetáculo comparável a uma telenovela, «na realidade, o tema da corrupção praticamente saiu da agenda da campanha eleitoral» , avalia Carmen Fonseca, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-NOVA), especializada no Brasil, à conversa com o Nascer do SOL. «Já não é a preocupação da população, que está muito mais preocupada com as questões da segurança, do desemprego», continua. «Na memória recente da população estão muito mais presentes os efeitos da má gestão da pandemia do que a corrupção», ao contrário do que se viu nas presidenciais anteriores.

O excesso de insultos e a ausência de propostas no debate desta quinta-feira «vem um bocado na mesma linha do que tem sido a campanha», frisa Carmen Fonseca. «Nem Bolsonaro é muito profundo quanto ao caminho que pretende seguir, nem o  Lula chegou a apresentar a versão final do seu programa eleitoral».

Não é surpreendente que ambos os lados tenham dificuldade em apresentar políticas concretas além da rejeição do outro. Tanto Lula da Silva como Bolsonaro se alicerçam em coligações ecléticas, recorrendo a apoios fora do seu campo político habitual, que tentam a todo o custo não quebrar.

Coligações tensas
Do lado do candidato do PT, está a tentar uma autêntica frente popular. Que junta ativistas da esquerda radical a figuras do centro-direita, como Geraldo Alckmin, antigo governador de São Paulo e fundador do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), escolhido para candidato a vice-presidente.

Alckmin até chegara a defrontar Lula na segunda ronda das presidenciais de 2006. Comparando o antigo sindicalista a um «ladrão de carros» e descrevendo a sua tentativa se recandidatar, 12 anos depois, como o regresso ao «local do crime». Hoje, após mais de quatro anos de governo de Bolsonaro, Alckmin já passou a ver Lula como «o maior líder popular deste país», assegurou num comício para sindicalistas, logo no início da campanha eleitoral.

Não é novidade candidaturas do PT incluírem os chamados «tucanos», a alcunha dos dirigentes da direita – recorde-se que Dilma Rousseff teve como vice-presidente Michel Temer, o que lhe sairia caro no impeachment. No entanto, desta vez o fluxo vindo deste campo político está noutro nível.

Alckmin ajudou Lula – popular sobretudo entre brasileiros mais pobres – a criar pontes com empresários, representantes do mercado financeiro e até magnatas do agronegócio, uma base crucial de Bolsonaro. O antigo Presidente não se cansa de repetir uma célebre frase de Paulo Freire, dirigente histórico do PT e expoente da pedagogia brasileira, que dizia que «é preciso unir os divergentes para melhor enfrentar os antagonistas».

Quanto a Jair Bolsonaro, há anos que depende cada vez mais do chamado Centrão. Este termo não se aplica necessariamente a partidos centristas. Mas sim a um bloco informal, de orientação politica indefinida, acusado de cultivar proximidade ao poder executivo para financiar as suas redes clientelistas – há uns meses desenrolava-se o escândalo do ‘orçamento secreto’, ou seja, a obtenção de fundos para projetos favoritos dos deputados do Centrão, através de emendas e sem escrutínio público – ou obter cargos governamentais a troco de votos. A estimativa é que até metade dos legisladores brasileiros integrem o Centrão. Tornando-os cruciais para o Presidente evitar a ameaça de um impeachment, o ano passado, quando era acusado de má gestão da pandemia.

Desde então essa ligação aprofundou-se. Tendo Bolsonaro – que em tempos criticava dirigentes do Centrão por terem a «velha política» do «toma lá, dá cá» – mudado de filiação partidária pela oitava vez e integrado um dos maiores partidos do Centrão, o Partido Social Liberal (PSL). 

É uma aliança que tem dado muito jeito ao Presidente durante a campanha. Bolsonaro foi eleito em 2018 com a vantagem de enfrentar um PT desmobilizado pela Lava Jato.

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