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Bienal de Veneza: o último grande palco de Paula Rego

Bienal de Veneza: o último grande palco de Paula Rego

A principal mostra artística mundial, a Bienal de Veneza, dedica um amplo destaque à genial artista portuguesa Paula Rego, falecida já este ano. A mostra pode ser visitada até 27 de novembro.

Até 27 de novembro de 2022, Veneza tem patente a 59ª edição de La Biennale, um dos eventos mais relevantes do sistema da arte contemporânea mundial. Cecilia Alemani é a primeira mulher italiana a assumir o cargo de diretora artística, sendo apenas a quinta mulher numa história que se escreve desde 1895.

Cecilia Alemani trabalha em Nova Iorque, onde fez parte dos seus estudos e onde dirige a High Line Art, um programa de arte pública que veio dinamizar o parque em que se transformou a antiga linha férrea suspensa da zona oeste de Manhattan. Já havia sido curadora do Pavilhão de Itália na edição de 2017 e tem larga experiência no que podemos designar como curadoria de espaço público.

As suas escolhas recaem sobre artistas eminentemente figurativos, tendo uma grande paixão pelo surrealismo, enquanto movimento artístico e intelectual, sobretudo porque a sua afirmação e domínio, a partir de 1924 - ano em que o Manifesto Surrealista foi publicado por André Breton - e até boa parte da década de 1950, acompanha um momento transitório da História da humanidade, marcado pela ascensão do fascismo e do nazismo e pela II Guerra Mundial.

Cecilia Alemani tem trabalhado com muitas artistas mulheres e tem procurado que, nos seus projetos curatoriais para espaço público, elas dominem, procurando equilibrar o sistema patriarcal que nos dá a entender que só existem arquitetos e artistas, homens, merecedores do espaço democrático por excelência. Não terá sido de estranhar que "The Milk of Dreams", título de um livro de Leonora Carrington, tenha sido o mote do desenho narrativo que nos propõe. Cecilia Alemani escolheu e convidou, fundamentalmente, artistas mulheres, cruzando obras novas com obras de artistas participantes em outras edições e/ou relevantes na História da Arte global, pretendendo contribuir para uma visão menos ocidentalizada e masculina. O pavilhão principal, na zona do Giardini della Biennale, é, assim, uma autêntica viagem ao mundo dos sonhos ou das realidades fantasiadas que são pura crueza, com uma iconografia política forte, que encontramos, por exemplo, no facto de ser a obra da ucraniana Maya Deren uma das que primeiro encontramos ao mergulhar na exposição.

Em 2022 há semelhanças com a Itália de 1922 e o dia em que Mussolini chegou ao poder. A Arte como prenúncio de morte, sabemo-lo agora. E o que trazem estas artistas são também alertas sobre as estanques e conservadoras estruturas sociais do nosso tempo, como de outrora, sem a expansão sonhada pelos surrealistas.

Folheei o catálogo para ter a certeza que era real esta premonição, esta assertividade do que acontece em Veneza, e reencontrei Paula Rego e as 4 páginas que lhe são dedicadas, na mesma proporção de uma sala inteira e do protagonismo que Cecilia Alemani atribui à sua obra no contexto deste projeto curatorial. Paula Rego, de quem tive a sorte de organizar uma exposição de homenagem em 2017, é enorme e a sua obra reflete, alerta, sobre as desigualdades profundas entre géneros, sobre as desigualdades dentro de casa, na distribuição de direitos e deveres que condicionam a liberdade efetiva das mulheres, que as amordaçam ao papel de cuidadoras.

Paula Rego nunca fez parte das escolhas de Portugal enquanto representante oficial em Veneza. Entrou agora pela porta grande e aquela que abriu sozinha, com o detalhe e o talento da sua pintura, do seu desenho, dos seus cenários. Ainda bem que La Biennale abriu portas a 23 de abril de 2022 e que Paula Rego só nos deixou, fisicamente, a 8 de junho. Assim, ainda se viu nos palcos grandes de que é tão merecedora.

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