www.dinheirovivo.ptdinheirovivo.pt - 30 set. 16:43

Pagar por estudos

Pagar por estudos

Estava eu a dar os primeiros passinhos no jornalismo, numa época em que ter filhos era ainda uma miragem e os fins do dia eram a melhor parte do dia - há mil anos, portanto - e já tinha escrito uma ou outra notícia pouco importante sobre o TGV ou o velho-novo aeroporto. Coisas simples: um caso de corrupçãozinha, um estudo de impacto ambiental, umas notícias sobre o destino das aves, uma divergência entre os gabinete de estudos, os técnicos da comissão nomeada pelo gabinete do ministro da tutela e as diretivas europeias do mês anterior. Eu sei lá, nem me lembro... e acho que ninguém lia aquilo, apenas os próprios. De vez em quando lá apareciam as notícias dignas de machete: agora é que é. E nunca foi.

Mas a verdade é que o TGV e o novo aeroporto andam a formar jornalistas estagiários desde os anos 90, no mínimo. Devem ser poucos os que não tenham escrito uma notícia sobre um dos temas. Fossem os jornais literatura com saída e com graça e já tinham sido publicadas reportagens sobre "Os ministros do aeroporto - os bigodes, os fatos castanhos: quem eram eles e onde estarão?" E até lançadas cadernetas: "Por cada nova assinatura do jornal, receba grátis uma caderneta e a uma carteira de cromos dos ministros e secretários de Estado do aeroporto" . Os condenados por corrupção seriam os cromos dourados; os governos, cromos especiais, como nas coleções dos campeonatos de futebol. Fica a ideia.

Por outro lado, estes dois processos de intenções de obras públicas serviram para distribuir dinheiro. Há quem viva por conta de subsídios, neste caso temos gerações de técnicos, políticos, empresas do setor público e privado que viveram, compraram casas, sustentaram as famílias a fazerem estudo sobre o comboio e o aeroporto. Estamos a falar de gente que se fartou de trabalhar, que fez noitadas a escrever relatórios sobre o comportamento das aves, o movimento das terras. Desenhos e cálculos matemáticos complicadíssimos. Imprimiram-se milhões de páginas.

Mais: todo este trabalho foi feito numa época em que nem os computadores nem os telemóveis tinham um quinto do potencial de hoje. Aquilo era gente de trabalho braçal, gente real, que tinha mesmo de se deslocar ao terreno do suposto novo aeroporto. Foram a todo o lado, coitados. Não eram nómadas digitais a trabalhar de calções, que faziam surf à hora de almoço e comiam saladas de pistáchio e pera abacate, enquanto projetavam uma ponte no Alasca, contratados por uma empresa holandesa e pagos por um "fundo". Nada disso.

É verdade que estes estudos serviram para nada. Nadinha. Não se produziu coisa alguma. Mas para um socialista isto é economia: dinheiro a circular sem querer saber de onde vem. Cobra-se impostos aos poucos que produzem ou pede-se dinheiro emprestado endividando quem ainda não nasceu e distribuiu-se por aí. Critério: em forma de "criação emprego", subsídios e obras públicas.

O TGV e o novo aeroporto foram a obra pública sem obra. É a versão adulta do Teorema de Pitágoras ou dos casos notáveis da matemática: nunca nos serviram para coisa alguma. A diferença é que nunca nos pagaram para os estudarmos.

No dia em que se construir o novo aeroporto, acabam-se os estudos. E isso é mau: o que é que esta gente vai estudar? Não, esse não é o nosso Portugal. Defendo mesmo que devemos alargar esta política às escolas: pagar aos pais para os miúdos estudarem. Pode ser por teste, vá, prometemos que não ficam na gaveta. Fica a ideia - mais uma.

Jurista

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